sábado, 30 de julho de 2011

Brinquedos feitos de nada...









O que para muitos meninos, seria lixo, aqui é para brincar.
Vamos na rua e encontramos estas crianças de ar feliz, correndo com os seus carrinhos feitos por eles mesmos, com arte e engenho.É fantástico...ver a forma como tudo encaixa.
Acho que muita gente pelo mundo fora,não sabe o valor que tem tudo aquilo que possuem...até em excesso.
É nestas pequenas coisas que reside uma riqueza enorme...que jamais vou esquecer.
Obrigado aos meninos de Moçambique e de todo este continente...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Aprendendo...preparando!




A titia Ana, a organizar fichas comigo na nossa sala e á conversa.Foi assim a manhã depois da habitual caminhada até á escola, que me faz muito bem, para além do pó que se entrenha em todo o lado.Fico cor de laranja.
Fiquei a saber que ela acredita em feiticeiros...entre outras coisas.Que com 36 anos já é Avó de 2 netos.Tem experiência com crianças, e seguiu muitas das turmas da escolinha.Gosta de aprender e é meiga.






A titia Beatriz, não fala Português, mas nem precisa, pois o seu sorriso doce e meigo, falam por ela.
Recebe-nos na porta da escola, olha de longe, mas abraça de perto.É uma avozinha tão querida, mesmo com os meninos.Fala a voz da experiência.E que sorriso delicioso.






O Acácio, é o nosso guarda nocturno, vela o nosso sono, todas as noites.Esteja frio ou não, ali está, acende as brasas para se aquecer, fazendo rondas á casa.De sorriso simpático, sem falar muito Português.
Nunca estive nesta situação, mas aqui tem que ser.Afinal não deixamos de ser um alvo e toda a gente sabe que temos valores...ainda que não sejam muitos, aqui valem imenso.
Agradeci o facto de nos proteger durante a noite, pois enquanto eu durmo em paz, ele não descansa e permanece.







Depois temos o sorriso da Benedita, que é um doce.
Tem sido ela a organizar tudo, a orientar e também a rir-se comigo de forma estonteante.Já deu tanto a este projecto e continua a dar.
Sabe bem partilhar histórias...dizer maluquices e também sentir que nos escutam e poder escutar.













Depois há toda uma aprendizagem que o meio nos vai passando.
Aqui, torra-se o café, o amendoim, peneira-se isto e aquilo, faz-se aletria em 3 tempos...visita-se o vizinho que vive mesmo ao lado, só para comentar as noticias do mundo e dois dedos de conversa.
E depois a noite, quando alta vai, permite-me pensar sobre tudo isto...e sentar-me aqui, pensando no que aprendi e quero guardar.
E o caminho ainda agora começou...
Boa noite.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Um dia a mais aqui, anos de vida.




















Já não sei quando foi que saí de Portugal.Teoricamente falando, sei que saí dia 21.Mas quando é que isso foi?Uma eternidade...
Esta terra é assim, tem o dom de nos fazer esquecer do tempo, da noção dos dias...do stress.
Vi o meu primeiro pôr do sol.Lindo.Agora entendo as cores.
Mudámos o sistema de cozinhar, do gás para o carvão, pois um saco de carvão custa 150 meticais e uma botija de gás, 1500 meticais.É bom sentir que também nós queremos poupar.
As refeições são simples, mas deliciosas e estar á mesa é um momento de encontro, reflexão e tomada de decisões.Uma delas hoje, resultou muito bem, espero que se mantenha.
Adormeço com os grilos e sinto uma paz enorme.É como se me embalassem para o dia que se avizinha.
Hoje fui á escola, buscar os processos dos alunos para ler e ir conhecendo, fomos a pé e levei 40 minutos.Soube bem, caminhar com toda aquela gente na mesma estrada.Afinal foi isso que vim aqui fazer!
Cá em casa o acordar é ás gargalhadas.Gosto desta alegria...espero que perdure, pois vão haver momentos de extremos cansaço.É belo, tudo isto, mas muito duro.
A minha cor está a mudar, estou aos poucos a ficar tostada de andar na rua, de caminhar ao sol.
E o coração também muda em muito.Por muitas razões.

Mas hoje vou dormir cedo, que estou cansada.
Até amanhã.

terça-feira, 26 de julho de 2011

A Machamba da Ir.Ferreira e o Mosteiro Orfanato

Quase que se podia começar esta história assim...

ERA UMA VEZ...

























A Irmã Ferreira.Um senhora que tem agora, 82 anos.
Quando veio para Lichinga, os pobres acumulavam-se na sua porta e na porta do bispo a pedir esmola.Todos os dias lhe davam 10 meticais, para matarem a fome.
Esta mesma Irmã, achou que não era solução, estar sempre a dar.Pensou mais longe, foi visionária, quis ensinar este povo a lutar pelo seu sustento.
O povo Moçambicano habituou-se a pedir e a ter.E há que contrariar essa tendência.
Foi então que a Ir.Ferreira resolveu criar a Machamba.Um campo de cultivo, onde há um pouco de tudo.Criação de Animais de toda a espécie, culturas diversas, pomares...
Começou com uma Machamba muito pequenina, situada num vale tão bonito,aos poucos foi alimentando o sonho, escrevia cartas para Portugal, para que amigos enviassem dinheiro para a ajudar.
A machamba cresceu e tem hoje 150 trabalhadores, que ganham o seu sustento ali, mais a venda dos produtos na cidade no cantinho da Solidariedade.
A escolinha nasceu da necessidade de haver um lugar para os meninos, filhos dos trabalhadores ficarem e poderem estudar, receber formação, bases, e serem cuidados.
É comum verem-se muitas crianças nas costas das mães, enquanto estas trabalham nos campos, desde muito cedo estes meninos sabem o que é andar no campo á força das condições do tempo.Também se vêm muitas crianças pequeninas por ali, pelas palhotas, sozinhas, com os irmãos.
A escolinha nasceu, graças ao empenho de todos os que vieram para dar formação, construir, pedra sobre pedra.É esta a sensação que tenho e entendo o contentamento e orgulho com que a Ir.Ferreira olha para a sua Obra.
É uma Obra notável que ajuda muita gente, mas mais do que a simples ajuda de dar e achar que se resolve o problema.É uma ajuda que ensina, que forma, que deixa marcas.
Olhar para a Machamba hoje, onde passámos parte da manhã, foi muito bom.Ver cada um com a sua tarefa, ver a organização dada por eles, ao espaço.Aprendi que a hora do almoço, na Machamba é a hora da verdade e que a sexta feira é dia de conversar sobre a semana, o que falhou o que correu bem...e preparar a próxima semana.
Uma das realidades é que todos roubam, todos aprenderam a roubar e isso é comum,muito comum, mesmo aqueles que os ajudam, como a Ir.Ferreira.Ainda hoje na parte de trás da carrinha uma empregada roubava milho.A necessidade é muita, como eu nunca vi.
O caminho para a Machamba é em picada, com muitos buracos, todos o usam mas só a Ir.Ferreira a manda arranjar.Este sentido comum, é duro de aplicar de fazer entender.Mas aos poucos, como está mais que provado por este projecto,as coisas nascem, crescem, edificam-se.Isto faz-me acreditar ainda mais no que sempre acreditei...em pequenas coisas e nos sonhos de cada um.São tão importantes.Começar do nada é possivél.Haja vontade e tudo acontece.
Pessoas assim inspiram-me e não quero olhar para os seus defeitos, porque só elas sabem o que sofreram com a guerra e a miséria que viram.
A Ir.Ferreira é a Madre Teresa de Calcutá de Lichinga.Todos a conhecem, todos a respeitam e admiram.É vê-la a conduzir a sua carrinha que só ela conduz e a começar o dia bem cedo,cheia de força.Toca-me ainda mais saber que tem Leucemia Crónica.Mas nada a pára, transmite uma força incrível.E eu como qualquer um, recebo-a.Tomo-a como exemplo.A Ir.Ferreira vai marcar a minha vida, como marcou um Ir.Roger ou um João Paulo II.Tem esse carisma.
Fica no ar a pergunta, que me tenho feito muitas vezes, e quando ela morrer?
Quem vai pegar com tanta força e dedicação neste projecto?Irão as coisas cair num descuido a ponto de ficarem abandonadas?Em Moçambique isso acontece...e muito.
Irá a escolinha deixar de funcionar e os meninos onde irão ficar?
O que sei é que, por agora estou aqui a dar o que tenho e posso ao projecto e que é um privilégio contactar com estas pessoas, todas elas...e aprender.
Aprender a sonhar, a realizar e por isso a viver.



Hoje ainda visitámos um mosteiro onde vivem irmãs comtemplativas e tomam conta de meninas orfãs, que são lindas.Quero voltar para estar mais tempo com elas.
Há tanto para fazer.E poucas mãos.











E sabem quando vamos dormir com aquele sentimento que estamos exactamente onde deveriamos estar?A fazer aquilo para que nascemos...
Boa noite.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A escolinha

























Hoje foi a primeira visita ao local onde vamos trabalhar.
A escolinha situa-se num bairro muito pobre, onde as casas são quase todas palhotas.
Encontrámos os alunos do pré escolar e algumas titias, que estão com eles, bem como as que cozinham.
A escola tem cor.Tem vida, tem aconchego.Encontrei um aluno diferente, com trissomia 21, encontrei muitos pequeninos que de facto possuem os olhos mais brilhantes que alguma vez vi.O sorriso mais contagiante.Assim que pusemos o pé dentro da escola, correram para nós.Agarram mãos e braços e já não nos deixam.São lindos, como não posso descrever.
Conheci a minha sala, e a minha titia, que me vai ajudar a acabar este trimestre, com a turma do 1º ano.Para o próximo ano lectivo, talvez consiga arrancar com o pré escolar, que está apenas entregue ás titias.Há tanto que se pode fazer nestas idades o que os vai preparar para os anos seguintes com mais bases.Sei o que fazer e como fazer, preciso apenas de luz verde.
Hoje depois da visita á escolinha, ainda andamos a conhecer a cidade e fomos comprar capulanas, para fazer calças.As cores eram tantas, que me perdi.Os preços baixos, umas calças custam só (a mão de obra) 4 euros, mais 3 euros o tecido, ficam por 7 euros.Isto em meticais é imenso, mas para nós acaba por compensar.Em Lisboa rondam os 40 euros.
A cidade começa agora a parecer-me mais harmoniosa, e começo a reconhecer ruas, caminhos, pontos de referência.Ponto habitual de passagem é o café Mária, onde servem um café delta delicioso e que me faz sentir em casa.
A Benedita que está aqui há 7 meses, é a nossa guia.Acaba por ser um apoio importante, pois ajuda-nos a integrar e a conhecer, bem como a dissipar alguns receios.Ela está completamente á vontade com tudo e tem um amor a tudo isto enorme e dedicado.É visível.
Tudo aqui corre com muita calma.E essa calma começa a tomar conta de mim muito lentamente.Mas ainda tenho que abrandar muito o ritmo.
Cada vez mais me sinto uma enorme sortuda, por me ser confiada tal missão.Pelos meus olhos poderem tocar e as minhas mãos sujar-se com estes meninos.
Amanhã visitamos a Machamba,(Campo de cultivo, pomares,hortas...) onde trabalham os pais destes meninos.
Um dia de cada vez...sentindo cada momento.


Tenho a fotografia do meu Pai, sempre aqui, colei-a na parede e isso tem sido um ponto de encontro para os momentos antes de adormecer.Conto-lhe, aquilo que ele vê de algum lado, aquilo que ele sabe.E agradeço o que fez em mim, para hoje ser capaz de abraçar tudo isto.

A primeira missa












Hoje foi Domingo e dia de missa.
Acordei cedo, e pela janela podia ver as muitas pessoas que passavam apressadas e nas suas melhores roupas para a Igreja.Apressei-me também.
Cá fora um grupo de mulheres com capulanas coloridas á volta da cintura, esperavam a celebração começar.A Igreja estava cheia.
Ficámos mesmo á frente.Aquilo que eu tantas vezes vi representar, em missas que de nada se pareciam com isto, era agora real.
Foi muito forte.Dizem-me que durou 2 horas, mas para mim parecia apenas 30 minutos.Absorvi intensamente cada momento da celebração.Porque os Africanos sentem esta festa, com tanta força e intensidade.A forma como dançam e cantam é impressionante, as suas expressões que nos dizem que a fé é a maior força que possuem.E o que seria deles sem ela?O que seria de mim também?
Econtrei 2 Alemãs, que fazem missão em Kuamba, a 300km, mas vieram aqui á missa e passear, pois já estão cá faz 1 ano, partem dia 11 de Agosto.Convidei-as para o pequeno almoço no nosso melhor café, a Mária.E depois fomos ao mercado.Foi bom sentir que mais gente partilha deste sonho comum.
Por diversas vezes quis dançar, soltar-me, mas ainda a medo, fiquei pelas palmas e o sorriso rasgado que não podia esconder.
Houve um momento que me marcou especialmente,quando foi lançada uma pergunta á assembleia, o padre perguntou onde estava o nosso Tesouro?Quem já tinha encontrado o seu Tesouro?
Fez-se silêncio.Ele voltou a perguntar.Sabendo eu que o encontrei faz tempo, não hesitei em responder que sim, que já o encontrei faz tempo.Perguntou-me então qual era?Respondi DEUS.
Tive a completa certeza do que dizia e fi-lo com uma confiança extrema.Foi perante tanta gente que ainda não conheço.Perante a comunidade que quero abraçar.
Tem sido intenso toda esta descoberta, partilha.Ás vezes nem acredito que já aqui estou.
Vai ser muito duro.Mas hoje, acordei com nova força, o sol brilhava e depois da missa, senti-me muito bem.Pela tarde dormi (como todos cá em casa) uma sesta para repor o sono.Ainda me sinto cansada, pela viagem, por acordar cedo e talvez a medicação para a malária não ajude.
Mas o meu coração está onde sempre esteve.
E sempre se disse que onde ele estiver aí estará o nosso tesouro.E é bem verdade.
Boa noite.

sábado, 23 de julho de 2011

O Abraço com África.



(Ele é uma explosão de cor e inocência...)



(Uma menina abandonada há 3 dias na Matola e recolhida na casa das Hospitaleiras que visitei em Maputo...)



(A Toninha, uma alma boa...mas sofrida)


África.Moçambique.Primeiro Maputo.Depois Nampula e por fim Lichinga.
Assim eu cheguei ao meu destino.
Por tantas razões...que eu já vi, e pelas que ainda não conheço, sei que este é o meu lugar neste momento
A viagem correu bem, foi apesar das 10h e depois  mais 3h dentro de aviões, das melhores viagens que fiz.O ambiente foi sempre simpático.Várias crianças voaram no mesmo vôo e portaram-se lindamente.Foi exemplar.Conheci uma data de gente interessante e que me ensinou muito sobre Moçambique.Gente que me dissipou receios e mitos, que sempre nos assolam.
Ainda no caminho, pensava em tudo o que lá ficou, mas ainda mais no que iria encontrar.
É, e foi um choque o que os nossos olhos podem tocar... a saída do aeroporto para a cidade de Maputo é o contraste.O lixo é muito, os chapas,(pequenos autocarros), apinhados de gente, as regras de trânsito que não existem...e o semblante de quem lá anda, pelas bermas da estrada ou da linha do comboio ás vezes a vender coisas tão pequenas.A luta pela sobrevivência é uma constante.Isto é o que salta logo á vista e choca mais.
Depois há as cores e a que mais me marca a da terra vermelha, as crianças que correm livres e descalças, há a luz do dia que alta vai pela madrugada das 5h30 da manhã, e se esconde pelo meio da tarde, 17h30 é noite.Estou de facto muito longe de casa.Desta vez é o longe.E esse longe traduz-se em tudo o que eu ainda não consigo compreender, que não pretendo mudar, mas que vou certamente abraçar.
E só este abraço já tem tanto que se lhe diga, tanto de belo como de doloroso.Estranho tanto tudo isto é o sentimento mais forte que tenho, por agora.Sinto-me paralisada, ainda.Sei que o sol que virá a aquecer estes campos, me aquecerá a mim também.
Preciso de tempo.
Fiquem a rezar por nós.