domingo, 28 de agosto de 2011


É uma história que se faz.







Tenho tido dias felizes, por aqui, onde a terra é vermelha e tudo pinta.
Dias equilibrados, com um pouco de tudo, trabalho, serviço,poucos mas bons amigos que vou descobrindo, novas experiências, descobertas boas e menos boas,sobre mim, certezas.Progressos e avanços e algumas paragens, necessárias para depois poder seguir em frente.
Uma coisa que tem preocupado esta cabecinha (que se tem entretido ainda com outras coisas que a seu tempo verão a luz do dia também) é em parte o futuro.
Apesar de tudo, confesso que confio.E tenho sido tão feliz, nesta atitude de confiança quase cega, na vida, no futuro, no que há-de vir.E tem, regra geral, corrido bem.Não me vejo sequer a tomar outra atitude perante o rumo natural das coisas, senão a de confiança e positivismo.
A preocupação é antes algo que sinto, que devo sentir, apenas.Por estar a caminhar  a passos largos para os 30 e achar que isso é sinal de que de alguma forma, terei de estabilizar...seja lá o que isso signifique, para cada um de nós.
Complicado?
E, confesso, estou feliz por não correr atrás de banalidades.Tenho-me focado, cada vez mais, no essencial.Gosto da essência das coisas, de cada pessoa,situação, momento, contexto.
Impedida por alguma inabilidade de fazer só e apenas o que gosto de fazer (escrever uma delas), ocupo o tempo que resta com o "educar", mimar, estimular, abraçar, pequenas pessoas para um dia serem (espero) grandes pessoas e tudo o que isso tem de memorável e belo. E é isso que gosto de fazer. E provavelmente um dia destes, depois do ano de missão que me espera aqui, mudo-me apenas de público alvo e fico exactamente na área onde estou.E acho isso bom, evolutivo.Penso em trabalhar com grupos de crianças especificas ou ensino especial e porque não a Antropologia ou mil e uma formações que me seduzem, apostar mais nas artes, também.
E se não fosse escrever, gostava de levar para a frente,um turismo rural ou de uma quinta pedagógica. Receber pessoas, organizar actividades ao ar livre,cantar, rir, cozinhar... e ter tempo para escrever o livro que às vezes sinto que está dentro de mim...há muito adiado, por achar que há ainda mais para viver e depois contar.
Mas o investimento é qualquer coisa de impensável agora e o livro atrasado por achar que só consigo escrever sobre o que conheço.E já não seria mau.Tenho vivido momentos tão especiais que ás vezes não os consigo descrever.Gostava de tudo o que me permitisse lidar ainda mais de perto com o ser humano em todas as suas formas de ser e estar.Aprender dele tudo o que tem para ensinar e é tanto.
Portanto, uma unidade de turismo rural, com um alpendre enorme onde eu penduraria a minha roupa branca de neve, muitos guizos e a rede para as sestas, com uns canteiros onde daria mais alguns passos na jardinagem e onde faria deliciosas tartes de maçã e frutos silvestres, está para nascer.
Mas a planta já está na minha cabeça e já vejo um cantinho com uma secretária, virada para uma seara qualquer e uma daquelas gaiolinhas para grilos com um esfregando as asas de contente, enquanto os meus hóspedes mergulham na piscina para escapar ao Suão e da cozinha chega um cheiro a pimentos frescos e a hortelã, a mil e um chás e ervas aromáticas.
(Isto lembra-me o meu Pai...e os seus segredos de culinária. )
E nestes dias, que sonho para mim, darei a todas as palavras que carrego dentro, a liberdade de construírem mundos e de fazerem outros falar e terei ideias para tantas folhas em branco que uma sala deixará de ser suficiente. E não estarei sozinha porque levo deste tempo,todos aqueles que me tomaram o coração de alguma forma, com gestos simples.E ao escrever isto, vêm-me á memória tantos rostos espalhados pelo mundo fora.
Depois, ainda e sempre a missão, no meu coração como projecto de vida...acima de tudo isto.Viver para e com os outros.Há tantas formas de o fazer.Tão simples.Tenha eu de ir, para onde for mais preciso!
Mas hoje, senti, que há sonhos que podem ainda estar tão distantes.
O sonhos não morrem por isso, mas as tartes no alpendre, a quinta, o livro e as outras novidades ainda terão que esperar.
A missão, não.
Pois ela já está a acontecer e faz-me tão feliz.Aqui e agora.

(Tenho por aqui, uma secretária virada para uma janela, que não dá para uma seara, mas para um céu repleto de ramos nus, de árvores frondosas, onde corvos e ás vezes borboletas vão pousando.
Os grilos aqui não precisam de gaiola, cantam muito alto e livres...a noite inteira.)





Dias Felizes, mexem com tudo.
E os menos felizes...também!
Importa sim, aprender com todos o segredo da vida.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O que fica...




Nunca gostei de despedidas.
E já tive que me despedir vezes sem conta.Nos mais diversos locais e situações.Recordo-me que há muitos anos, era um drama, chorava sempre, despedia-me antecipadamente de cada detalhe...local, pedra, riacho, montanha, mas sobretudo pessoas.Essas sempre me marcaram vincadamente.
Mas sei,no entanto, que é quando nos despedimos de alguém, que por vezes dizemos com mais emoção e veracidade o que sentimos e podemos perceber muito do que sentem.
Há uma urgência de dizer, o que até ali foi guardado.
Deixamos até escapar o que pensamos nunca poder vir a demonstrar.
Há certos momentos, em que consigo sentir, que o adeus será por muito tempo ou mesmo para sempre, ainda que não o possa dizer, mas que por certo, não trará esquecimento ou abandono.
Há pessoas que nos marcam até ao fundo da alma e nem disseram assim tanto, apenas estiveram.E estar, é algo que pouca gente sabe fazer, sem forçar.Apenas olharam para nós, mas acontece que nos viram, que nos leram, que nos compreenderam de tal forma, que é como se tivessem o mapa até á nossa alma.E vice versa.Tenho tantos amigos assim, que nasceram desta transparência.
E isto para mim é tão límpido, como uma noite destas aqui em África, quando falta a luz e o céu fica a descoberto...em que conseguimos ver caminhos, imaginar e reconhecer outras tantas formas, sonhar com o futuro, mas sobretudo é o sentimento de encantamento por aquilo que nos transcende e sabemos ser maravilhosamente longínquo e profundo.E então ficamos ali, apenas a admirar, debaixo de um silêncio divino, que nos vai habitar para sempre, que queremos guardar de alguma forma.
Basta que nos lembremos, de como era, o sorriso, o olhar, a voz, a palavra, o significado, o gesto, o calor,o brilho, o abraço e sobretudo a ansiedade de esperar por alguém que se gosta e com quem se quer estar.Isto lembra-me o principezinho...que começava a ser feliz, muito antes do encontro acontecer.
Não é preciso mais nada,apenas uma boa memória, daquelas que se aquietam para sempre, mas existem...ou das que irão acordar algum dia, para dar continuidade a uma história que merece um desfecho coerente e concreto.
E só existem estes dois caminhos...quando deixamos em aberto, uma despedida.
Porque afinal, não podemos dizer que é para sempre, mas também não podemos garantir que voltará a ser um toque,suave, terno,doce...
Mas ainda assim, acredito que depende de nós...escolher o adeus pesado, cerrado, duro ou uma memória viva, que a qualquer momento pode ganhar nova vida,e por isso, asas que a permitam continuar a voar!
Esta despedida deixou-me a pensar e mais que isso, abanou-me.As pessoas mudam e alteram-se progressivamente aos nossos olhos.
Recuso-me a dizer adeus e encho o peito de ar e rasgo um sorriso subtil que traduz uma enorme paz.
É isso que fica.


domingo, 21 de agosto de 2011

O mosteiro orfanato e o horizonte...



























Maratona de filmes...














O que começou por ser uma ideia de ver um filme, acabou por ser uma maratona de filmes pela noite dentro.Um atrás do outro, não havia sono que pegasse, nem as cadeiras menos confortáveis nos afastaram dali.
Soube muito bem, há muito que não o fazia.Pela companhia e pelas risadas valentes...pelos ensinamentos que cada filme, traz.
Em Lichinga não se faz nada á noite, por isso, tudo o que surgir, é bem vindo e aproveitado.
E as coisas mais simples,sempre me fizeram mais feliz.
Foi uma noite, eu diria que quentinha e com cumplicidade.
O que eu gostava de saber, é como vão ser as minhas noites de Sábado, quando os ALVD, se foram de Lichinga?
Alguma coisa hei-de inventar...

O lago Niassa em fim de tarde...








































Ontem...terminei o meu dia no lago, beijada pelo tom laranja/lilás do pôr do sol.
Soube-me muito bem, terminar assim a semana.Não podia ter sido mais perfeito.
A viagem foi feita, com alguém que conhece bem esta terra e me explicou tantas coisas e com a Telma, que foi buscar o Ricardo e o Vítor, leigos Dehonianos, que estiveram a dar formação em Metangula.
Pelo caminho, há sempre tempo de me perder em pensamentos, em saudades e de captar aqui e ali a forma de vida destas pessoas, que é em tudo, livre.Muito livre.
A chegada ao lago, traz sempre o impacto de ver o azul ao fundo, depois é curva, contra curva até chegar a Metangula.Ali respira-se um ar mais puro, ali os olhos podem estender-se e perder-se pois nada os trava... e se travados, porventura, será por uma montanha, ou pelo colorido e movimento em torno da praia.
Aquela água é vida.Caminhei um pouco pela mata e fui sentar-me numa pedra bem grande e bem lisa, para me poder estender ao sol.Olhos postos no lago, ficou apenas o silêncio apenas interrompido pelas vozes das crianças que brincam.O verde e o azul.
Mas ali, estar sozinho é tarefa impossível, o que também pode ser bom.Em menos de nada estava rodeada de tantas pessoas, curiosas e que me acolheram tão bem, no seu lago.
É importante explicar, que o lago está dividido em zonas, para mulheres e  homens.Estes não se misturam, tendo a sua área reservada.As crianças têm livre trânsito e estão por todo o lado, com ou sem roupa, a brincar, a chapinhar ou na maior parte dos casos, a lavar loiça, que carregam em alguidares na cabeça.
Alguns bebés, dormem ali, debaixo de uma sombrinha e enrolados nas cores vivas das capulanas.Tudo isto, juntando a paisagem que é perfeita, pinta um quadro na minha cabeça, difícil de esquecer.
Desejei estar mais perto deste lago, todos os dias, só para me poder sentar nas suas margens e desfrutar desta cor, desta vida, desta paz...poder sentar-me ao fim do dia, ver o sol ir embora e ali estar, apenas.
Mas terei de percorrer 1h30 ou 2h de carro, sempre que o quiser fazer.
Caminhei ainda algum tempo pela praia, onde rapidamente se gerou uma dança e festa sem fim, como não podia deixar de ser, com as crianças.Essas sim, sempre prontas a dançar, cantar, fazer-nos felizes...e quando se vêm nas fotografias a alegria é tanta, que não posso explicar.
As crianças, as únicas, sem reservas, sem nada a esconder, sem forçar absolutamente nada e com a espontaniedade á flor da pele.
É por isso que eu, gosto tanto de ser, estar e sentir-me como elas, a todo o momento.
Voltei a casa, já de noite, com a cabeça fora da janela do carro, maravilhada pelo céu estrelado, onde a via láctea, era tão visivél, aquele enorme caminho, que um dia me conduziu a Santiago, continua a guiar-me por aqui...
Eram 100000000000000000000000 estrelas, enormes e brilhantes a sorrir para mim.


Depois de um banho e de jantar, adormeci, como uma criança,imaginava eu, deitada nas margens do lago,em paz, não me importando muito com o que dizem os "adultos" dos "adultos"...e isso permite-me manter um sorriso leve, subtil, traçado nos lábios e mais que isso no coração, capaz de enfrentar qualquer desafio,qualquer dúvida...e gerar muita alegria, naqueles que a sabem ver e sentir.


sábado, 20 de agosto de 2011

Os dias na Escolinha...




































Terminou a 2a semana de aulas.O tempo voa de 2a a 6a feira.
As manhãs passam a voar, mas têm dado para fazer tudo e ainda mais alguma coisa.
Dois dias por semana, temos aula de ginástica, para começar bem o dia.É bom,vê-los correr livres e completar os exercícios propostos, com precisão,entusiasmo e sempre com um sorriso no rosto.Isso é o mais gratificante de tudo, perceber que estão bem e felizes quando aprendem coisas novas, quando me ensinam coisa novas.Tenho aprendido tantas até sobre mim mesma.Capacidades desconhecidas entram agora em acção.Uma delas que não sabia que viria a conseguir,é a capacidade de ficar calada.Ás vezes é o melhor.
Em sala as coisas correm muito bem, quando é para trabalhar, trabalha-se, quando é para sonhar, sonha-se em conjunto, imagina-se e luta-se para que se torne realidade.Quando há um problema resolve-se entre todos e as coisas têm fluido de uma forma muito natural o que me deixa muito feliz.
Já os conheço todos, pelo nome, olhar,trejeitos e pelos diferentes e tão belos tons de pele.
Tenho alunos Muçulmanos, que estão no Ramadão e o cumprem á risca e na hora do lanche, não comem mesmo nada.
Tenho alunos, que vão para a escola com a mesma roupa todas as semanas e chegam tarde todos os dias.Tenho os que faltam, para ficar a brincar, tenho os que estão lá sempre e com vontade de fazer, ver, ouvir...e a todos eu amo, com um amor que está a tomar conta de mim.Um amor que me faz saltar da cama todas as manhãs bem cedo e com energia...a preguiça aqui não tem entrado.São 40 vidas á minha espera, para poder crescer e nunca saberei onde cada um vai chegar.Mas sei que fui parte desse processo em algum momento.
Ás vezes pergunto-me de onde vem esta força, que aqui tem crescido tanto.Será o efeito deste Continente em mim?Já ouvi tantas vezes dizer que África "enfeitiça"...eu acho que foi o meu caso.
Tenho muita vontade de lhes mostrar o mundo, outras realidades, mas como não os posso levar até todas elas, deixo-os ver as que trago dentro de mim, aquelas por onde passei, que toquei com as minhas mãos.E eles viajam comigo.Tanto, tanto.
Num destes dias pusemos  as 3 turmas da 1a,2a e 3a classe a ver um filme no refeitório, até as titias da cozinha aproveitaram para espreitar.Foi muito engraçado ver a reacção deles.Acho que foi um bom momento para todos, pois muitos destes meninos não teriam oportunidade de ser este filme de outra forma.
Há também momentos em que se pode repousar a cabeça em cima da mesa e acalmar, para depois continuar o trabalho.É preciso ter sensibilidade e entender como está o grupo naquele dia.E depois é agir o melhor que conseguir, procurando sempre ser um bom exemplo.
Uma das coisas que me tem demonstrado que tudo está a correr bem,é o feedback de quem conhece estes meninos, alguns deles com dificuldades de comunicação, no que toca ao falar, participar, um simples bom dia, obrigado, ou até fazer a aula de ginástica, é o caso da Sheila, uma menina que nasceu com má formação a nível da cabeça, rosto, olhos,sei que foi feito um grande trabalho com ela, nos trimestres anteriores, no sentido de a obrigar a pedir as coisas.
Pois tenho-a visto sorrir, a professora de Inglês a Ana, ouviu a sua voz pela primeira vez esta semana e até participou na aula de ginástica.Estou muito feliz por isto e por coisas pequeninas que têm acontecido diante dos meus olhos.
A semana na escolinha voa e eu vou sentir muita falta destas vidas, perto de mim...e é por isso que em Janeiro, volto por um ano lectivo,inteirinho, mesmo sabendo que o cansaço ás vezes será muito, que nem tudo consigo resolver, que me irei chocar e revoltar com tantas injustiças.É assim que as coisas são,aqui.
Os riscos serão os mesmos...que acabaram por se dissipar um pouco, depois de chegar e ver como é.
É que,cada obstáculo,que já surgiu, contando ainda com os que estão para vir, me fazem apenas mais forte e sentir mais capaz, para ficar e agir.Se tudo fosse fácil e perfeito, não havia porque lutar...e o meu papel aqui seria quase inútil.
Quanto mais conheço os meus meninos, me conheço a mim.
Quanto mais estou com eles, sei que o caminho é voltar.
Quanto mais o tempo avança eu sei, que só agora foi a altura certa para vir e cumprir a minha missão.
Agora sei porquê.