Uma das eternas questões nisto dos amores é aquela dúvida: 'até que ponto nos devemos entregar?'Há quem defenda que devemos ter limites, que deve haver uma espécie de lei da compensação, quase uma balança: hoje dou um bocado, e agora espero que ele dê também, e por ai adiante, passo a passo, calculoso.. Não percebo. Outros defendem que, pelo contrário, nunca devemos dar tudo, para não 'habituar' mal. Ou seja, apenas por estratégia, não vamos ser tudo já, para termos algo para dar mais tarde.. não percebo. Há ainda quem dê, para simplesmente poder cobrar no momento a seguir: dei-te tanto, agora quero que me retribuas tudo!!.. também não percebo.
Para mim, o dilema da entrega é simplesmente uma não questão. Porque quando se quer, quando se gosta, dá-se e pronto. Tendo apenas o cuidado da gestão do 'não sufoco', não há cá que ter meios termos, ou calculismos, ou mariquices de balanças. dá-se! E dá-se tudo o que se tem agora! Porque se for a sério, descansem que todos os dias vão ter algo novo, maior, melhor, mais intenso para dar. Porque quando é a sério, todos os dias cresce mais qualquer coisa: um tique novo, um ponto da pele que afinal também é sensível, uma palavra que ganha novo significado, um riso tonto que se descobre no momento mais íntimo, ou apenas uma música antiga, que de repente passou a ter significado. Ou todas as musicas novas, que vão ficar para sempre marcadas entre nós os dois..
Eu voto pela entrega total, de corpo e alma. Sem medos, sem orgulhos parvos, sem receios de dar sem receber. Assim, tenho sempre duas certezas: que quem vive comigo tem o melhor de mim, e, que nunca vou, um dia, pensar que podia ter dado mais. E isso, saber que se deu tudo, é um alívio. O mais tonto nisto, é que só quando se entrega tudo é que se cresce como pessoa. Ou seja, quem vive nesse dilema, só perde enquanto não avança. Hoje, por ter-me entregue loucamente, sei que sou maior, mais humana, mais amiga, mais companheira de quem me recebe.
'Eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio: um pilar da ponte de tédio, que vai de mim para o outro'. Os momentos mais difíceis da vida são os intermédios. Aqueles momentos em que mudamos qualquer coisa, em que deixamos para trás um lado da ponte e atravessamos para o outro. O intermédio é aquele ponto em que ainda não se tem o que se quer, mas que já não se tem o que se tinha. A cabeça enche-se de dúvidas, de incertezas se é mesmo por ali. Porque sabemos que estamos a ganhar um mundo melhor, mas a perder o que já tínhamos. O que já era nosso. e por isso, por ter tanto de nós, mesmo que não nos fizesse feliz, pertencia-nos. Conquistaram-nos e conquistamos.
A travessia é ainda mais penosa quando a mudança não é do mau para o bom, nem da chuva para o sol. Porque às vezes apenas queremos mudar porque deixou de fazer sentido. Não porque se vive mal, mas porque não se vive completo. Porque gosta-se, mas não se ama. Porque quere-se, mas não se vibra. Porque toca-se, mas não se deseja. E fica sempre um misto de frustração porque também fomos causa do fim. Porque a dança é sempre de dois. E ali, tropeçamos juntos. Mas é também ali que sabemos que - por nós - temos de avançar, temos de ser um pouco egoístas e olhar o outro lado da ponte, onde nos sentimos mais quentes, mais felizes, mais completos em todos os pequenos campos da nossa vida. Sabemos que ainda está longe, mas é já tão mais gratificante. Sabemos que ainda incompleto, mas é já tão mais único e intenso.
...é no intermédio que o amor se testa, se prova, se agiganta. O amor de quem atravessa a ponte, que tem de carregar uma vida, os laços de uma família, de uma terra, que se leva nos ombros, devagar, passo a passo. Ponte dura de passar, cheia de cordas que prendem atrás. Mas cheia de esperanças que nos ligam ao futuro. E aqui, é a certeza do que se quer, a certeza do que nos faz verdadeiramente feliz, que nos dá força. e é aqui que se prova ao outro lado tudo o que se quer. a prova mais imensa: quando alguém está disposto a mudar uma vida por amor.é no intermédio que o amor se testa, se agiganta - também muito o amor de quem está do outro lado da ponte, a puxar, a gritar, a chorar, a sorrir. A dar o peito a todas as facas, a segurar todas as cordas ainda presas. A pedir: deixa-me trazer-te ao colo, a ti e a a todas as tuas malas. A pedir: deixa-me ser o braço que sempre achaste que não precisavas. Mas por respeito, a não impor. Mas por respeito, a não sobrepor. Apenas a dar a mão. Apenas a amar. Apenas a vibrar. Apenas a desejar. Apenas a querer ser tudo. Já...
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