sábado, 6 de setembro de 2008

SEC - semana de encontro com...



SEC - Semana de encontro com...






Apenas hoje me sinto preparada para falar de uma experiência que tive estas férias...
Mais uma...sim.
Mas há aquelas em que nos é fácil dizer tudo o que sentimos, tudo o que ficou em nós...e há aquelas em que levamos dias, senão semanas e meses a perceber o que mudaram, o que deixaram.
Foi logo após ter chegado da Covilhã, estive apenas um dia em casa.
E amigos, da SEM (Semana Missionária) em Arganil, já me tinham falado da SEC, (Semana de encontro com...), e convidaram-me a aparecer para ajudar,mesmo que já não fosse a semana toda, iria aqueles dias.
Encontro com...???
Econtro, com as pessoas de um bairro de lata.
Não fui para muito longe, pelo contrário, fui para bem perto...Odivelas, mais especificamente Póvoa de Sto.Adrião!
Essa bela terra, que tive o prazer de descobrir, onde vivem rostos amigos, que não esqueço.
Essa terra que tem o seu encanto nas pessoas que a habitam...são elas que fazem daquele local especial e acolhedor.
Que melhor forma podia ter de terminar as minhas férias, o mês de Agosto, tão cheio de experiências marcantes.
Muitos pensam que enlouqueci, um bairro de lata, para acabar Agosto em Beleza??!!
SIM.
Um bairro de lata, onde existe um amontuado de "casas", construídas clandestinamente, onde os esgotos não fazem parte do saneamento, onde o cheiro é o do lixo amontuado nos caminhos,estreitos e sinuosos, onde as crianças de meses, brincam na rua com cães vadios, onde essas mesmas crianças olham umas pelas outras...
SIM.Foi para ali que escolhi ir, os últimos dias das minhas férias, para me encontrar COM...com quem viesse, com quem lá está, com quem é discriminado pela sociedade porque vive ali, porque é de outra raça, porque é pobre, com quem sabe acolher de forma única e dar do pouco que tem com alegria, como eu nunca vi.
É ao lado desses que eu quero estar.Cada vez mais.
E lá fui.Numa manhã solarenga, lá punha eu a mala ás costas e dizia á minha mãe, "até domingo!"
Apanhei o comboio anciosa, e depois o metro, parecia que ia para um acampamento, de mochila, esteira, saco cama, mas isso porque iria dormir no chão.Mas lá ia eu para mais uma pequena grande missão, dentro da cidade, já ali ao lado.Onde era preciso.Feliz, como se partisse para longe.É esse bichinho que se chama missão, que nos move.Seja longe ou perto.
Cheguei, depois de rever a Ir.Beta e o Luís, companheiros da SEM e deixar as coisas no centro paroquial onde dormimos, seguimos por fim para o bairro do Barruncho.
Caminhei uns minutos, á conversa com a Ir.Beta, matando saudades e contando as aventuras de verão...e dei comigo, numa rua, cheia de vivendas muito bonitas, ao longe só avistava prédios altos e pensei, que o bairro ainda ficaria longe.
Mas á medida que fui caminhando, comecei a descer por um caminho de terra batida, que me mostrava um imenso buraco, onde estava o bairro, e eram centenas as barracas.
Enchi o peito de ar e pensei: "É aqui que eu vou trabalhar!"
Não senti receio, pois estava com alguém que conhecia o bairro e quem vem por bem, normalmente não é mal recebido.
A primeira imagem, foi a da Ana, a minha companheira da SEM, estava com 1 criança ao colo e mais duas muito pequeninas agarradas ás calças, subia com esforço uma ladeira, tinha ido busc´-las a casa, era perto das 10h da manhã...
E esse era o trabalho de todas as manhãs, ir buscar as crianças, que se deitam tarde e acordam tarde em tempo de férias...
Assim, também eu mergulhei pelas ruas do bairro, sem conhecer, era subir e descer, um autêntico labirinto de caminhos estreitos e enlameados.
Fui com o grupo e assim fomos batendo ás portas...chamando pelos nomes, alguns abriam a porta ensonados e gritavam que se iam despachar, afinal não era todos os dias, que alguém lhes batia á porta para brincar e estar com eles, outros estavam a tomar o pequeno almoço, batatas com atum, o resto do jantar, pois o leite e o pão fresco é um luxo.
Fiquei sem saber o que pensar...crianças tão pequeninas a tomar conta de si, a comer o que têm, a lutar pela vida como sabem, como podem.
Como não podia eu, escolher estar ali?
A alegria daquelas crianças, quando as levávamos pela mão, a rebeldia também em fugir e lá tinhamos que voltar para trás...para as convencer a ir connosco, trabalho nem sempre fácil...e bem sucedido.
Juntávamo-nos na casa da D.Conceição, uma senhora que disponibilizou o pátio da sua casa, para que ali reunissemos, com alguma sombra, sentados no chão, em roda, começar o dia com uma oração, simples. Depois os mais pequenos iam para outra casa, enquanto os mais velhos, jogavam á bola, a sua grande paixão.Entre desenhos e actividades preparadas pelo grupo, os dias destas crianças, tomaram uma cor diferente, deixaram de ter o abandono de estar em casa, sem ter o que fazer, ou apenas a vaguear pelo bairro...pondo muitas vezes em perigo a sua vida, pelas mais diversas razões.Elas gostavam de estar connosco, mesmo na sua rebeldia e choros de zanga, tudo o que queriam era um colo, um abraço, uma palavra...
A manhã passou-se entre jogos e buscas pelos que fugiam da casa onde eu estava com os mais pequenos.Mas logo voltavam, mais sujos depois de alguma queda, mais esfolados...mas a sorrir e prontos para mais traquinices.Sem medo de nada.
Sedentos de atenção querem sempre ser os primeiros, os melhores, ter o lugar de destaque, talvez fruto de uma falha nos afectos...grande.Podia sentir.
Limitei-me a estar, a abrir os braços, a sorrir e a brincar muito...não tive grandes ambições de mudança ali, mas sim ir dando aos poucos...de uma vez só é impossivel.
Claro que o meu cabelo, foi alvo de 1001 perguntas, se eu era Africana, se tinha estado em África, ao que eu respondia com um sorriso, que não, mas que gostava muito de lá ir um dia, eles que também não conhecem, diziam que os pais, tinham nascido lá...são pois a 2a geração, aquela que é já Portuguesa, e deve por isso, ter tantos direitos como nós temos.
A manhã passou a correr, o sol pelas 13h, era insuportável e eu já me sentia desfalecer e ainda tinha acabado de chegar.Ao levar as crianças para casa, para o almoço, podia sentir o suor, na minha pele misturando-se com o pó branco dos caminhos...e imaginei como é viver ali, anos e anos.
Imaginei este grupo, maravilhoso que ali trabalhou a semana inteira...não é fácil.
Juntámo-nos para almoçar no centro, passei água fria pela cara e enchi-me de coragem, eu tinha que dar força a um grupo que encontrei cansado de uma semana assim, como tinha sido a minha manhã...e decidida, coloquei um sorriso e novas ideias, para a parte da tarde e para o dia da festa que se aproximava.
Ao almoço, já não havia espaço para o "não gosto disto" ou "não me aptece comer"...e agradecemos pelo que temos, com amor.A mesma alegria da SEM, entrou em mim, os cânticos, os rostos o espiríto que se vive numa mesa cheia de gente, que vive para dar e não apenas para ter.
Depois do almoço, reunimos para acertar as tarefas da tarde, teriamos que ensaiar com os mais velhos uma peça de teatro, a parábola do filho pródigo, para Sábado, onde estariam os pais e as pessoas do bairro a assistir.Empenhei-me com todas as minhas forças em planear.
Era hora de voltar ao bairro, com energia renovada, ia eu.
Arranquei sozinha, no meu passo lento e ia pensando em tudo o que uma manhã me tinha abanado...dei comigo a entrar no bairro, sozinha, sem medo, a falar com as pessoas que passavam por mim, e com que força faria eu isto, noutro tempo, noutro lugar?
Não sei, mas sei que ali o fiz e o fiz de todo o coração.Queria mesmo estar ali...
Uma criança ao ver-me vem a correr ao meu encontro, dá-me a mão e percebendo que o caminho era inclinado, e eu ia meio insegura, diz-me : Não te preocupes, que eu ajudo-te, ok?", e ali estava eu, com uma criança de 4 anos pela mão, que me ajudava a descer uma rua, como se isso fosse a coisa mais importante naquele momento...tal como era para mim estar com ela.
A tarde, não foi fácil, de novo ir buscá-los a casa, depois reunir, e tentar fazer algo, mesmo quando os mais velhos só querem jogar á bola, e não ouvem o que pedimos, mesmo que seja com jeitinho.O meu grupo, começou a querer desistir, e a querer fazer outra coisa que não fosse o teatro...mas não podiam desistir ali, depois de tanto trabalho.
O truque foi, começar a ensaiar com os que estavam e os outros por interesse aproximavam-se aos poucos e iam ficando...á espera de um papel, de uma função.Havia para todos.
Assim, eu fui escrevendo as falas, de cada um, e entregando-lhes em mão, para que as estudassem em casa, e rezava para que não as perdessem, pois foi exactamente o que aconteceu.
Fora isso, o ensaio lá se fez, depois de muitas tentativas, de muitas risadas...e desvaneios.Conseguimos ensaiar 2 vezes, uma vitória...
Nessa tarde a D.Conceição, não nos deixou ir embora sem lanchar.Nós eramos tantos, mas ela atarefada, ia pondo a mesa, cozinhando, aquecendo e lá entrámos todos, crianças, adultos, seriamos uns 20 á volta da mesa...tudo posto com cuidado, para nos receber, o cheiro era bom, cozinhavam cous cous em forma de bolo,quentinhos, para comer com manteiga, e beber com leite e chá.Soube-me pela vida, depois das energias gastas no ensaio.Primeiro as crianças e depois nós.Uma troca de culturas e costumes ali presente.E mais que isso, uma barreira ultrapassada, entre raças, estatutos sociais...o que fosse que nos separasse, ali já nada existia.
Antes de começarmos, a D.Teresa, uma senhora adorável lá do bairro, bem mais velha, começou a cantar, em jeito de oração, e todos parámos, eu arrepiei-me com a fé daquela mulher, que cantava do fundo da sua alma, feliz por nos ter ali.
Terminado o lanche, voltámos á base, o nosso centro, para trabalhar, para a festa e viver em comunidade.
O cansaço era visivél no rosto de todos...o jantar, preparado por uma senhora com todo o carinho, deu-nos forças, para uma noite longa.
Na igreja da póvoa, relaizou-se uma vigilia de oração, onde o silêncio, depois de um dia cheio, foi um encontro pessoal...foi o terminar perfeito.
O dia terminou com a partilha, na oração, e depois de ouvir todos, senti-me muito pequenina, pois o que cada um tinha vivido naquela semana, era tanto, comparado com um só dia, como o meu.E por isso partilhei, que nem que fosse por um só dia, já teria valido a pena estar ali, fazer o que fiz, sentir o que senti, ver o que vi...sujar-me, aleijar-me nos pés, cansar-me, porque nos acorda.Porque nos faz querer mudar o mundo.Agradeci, porque tanta gente, se dava assim...agradeci pelo grupo e por ter mais 2 dias, para viver esta experiência de braços e coração abertos.Nada fica igual, nunca mais.
Deitei-me, depois de acabarmos os embrulhos com doces para a festa...tomei um banho, e caí no saco cama, no chão, que me pareceu a melhor cama do mundo, naquele instante.
O dia amanheceu cedo, depois da oração e do pequeno almoço, sempre com a alegria de uma casa cheia de gente, a manhã foi de retiro, cada um, teria tempo para estar sozinho, ler um texto e refletir.Ao fim da manhã, seria a partilha, que mais uma vez foi intensa.
Depois do almoço, foi o grande momento de ir para o bairro e preparar a festa com as crianças e a comunidade.O material preparado no dia anterior, ia nas nossas mãos, como um tesouro, porque o preparámos com tanto empenho e carinho.
Ao chegar, as crianças correm para nós, com a sua melhor roupa, e de banho tomado, preparadas para a festa.Começamos a montar tudo, enquanto uma equipa organizava o terço pelas ruas do bairro, outra ia preparando o espaço da festa.Enquanto pendurava balões coloridos, no toldo, via e ouvia o grupo pelas ruas, ao qual se iam juntando mais pessoas, á medida que passavam.
As cores iam alegrando o que é cinzento e em menos de nada, o espaço parecia outro!Fizémos também uma exposição com os trabalhos das crianças...tapando as paredes com capulanas!De repente vi-me em África...assim num relance!
Aos poucos começaram a chegar e a querer entrar...a casa da D.Conceição era o centro de tudo nesse dia...e senti que aquela era também a minha casa, a nossa casa, pois ali entrava e pedia tudo o que precisasse, coisas para o teatro de ultima hora...na sua disponibilidade e na sua pobreza, parecia ter tudo.Mas se há coisa que tenho aprendido é que, quem tem menos, é quem dá mais...sempre!
O teatro começou, o silêncio ouvia-se...e mais ou menos bem, as frases lá sairam, do jeito que eles souberam...vestidos com os fatos que cuidadosamente cortámos com sacos e com o que havia...eu estava orgulhosa de todos, pois o que parecia impossivél de se fazer, aconteceu e correu bem.E a mensagem passou.
Depois foi a vez de lanchar...pusemos uma grande mesa, sumos e bolos, para todos...e uma medalha em forma de coração, que dizia, "Deus ama-te!", um embrulhinho com doces, que desapareceu em menos de nada...mas alegria e festa!E sobretudo, simplicidade.
O fim de uma semana árdua...mas gratificante, sentir que ali todos éramos de facto amigos...e que o importante apesar de todas as nossas diferenças, é que Deus nos ama, da mesma forma, com o mesmo amor.
Dali seguimos todos para a eucaristia, onde as crianças também participaram, cantando na acção de graças: " Belo, belo, Jesus é belo e Jesus faz belas as coisas da vida!!"onde também se agradeceu á comunidade, por todas as ofertas, e apoio.
A noite terminou com a partilha e como era a última noite, alguns de nós ficaram á conversa...em partilhas que marcam sempre.As poucas horas de sono, não afastaram a alegria de receber no Domingo, mais jovens que nos tinham também visitado na SEM, e alguns que participaram na SEC, do ano passado, vinham do Porto, mas não é de admirar, pois nesta SEC, estavam 2 raparigas dos Açores, da ilha treceira, vieram de tão longe...
Juntos celebrámos a eucaristia, onde as pessoas do bairro participaram e ali os últimos abraços e despedidas, um obrigado pelo acolhimento 5*****, que não esqueço.
Almoçámos todos juntos, uma festa sem fim...um rever de rostos solidários e uma certeza...de que é Bom ser missionário, é bom estar no mundo...fazer parte dele, mudando-o pela nossa passagem...criando laços.Sem preconceitos...
Pelo meio da tarde, o centro estava arrumado e limpo, as coisas arrumadas...eu fui adoptada pelo pessoal da póvoa, que só me deixou ir para casa pelas 00h, alegando que precisavam de ajuda em algumas tarefas...e foi em casa dos manos Ana, Luís e Rui,que nos reunimos,eu a Marta, o Cunha...ainda com aquele sentimento de comunidade, que ali sempre se sente.
Ainda nos despedimos, com uma surpresa, de 2 seminaristas, que partiam no dia seguinte para Itália, tiveram direito a uma serenata e tudo!
Chegámos a minha casa, e uma hora dentro do carro a rir a chorar e a partilhar o que de mais forte pode haver.
Obrigado, por terem sido o desfecho mais bonito que podia ter...destes dias.Para mim um descobrir sem fim,de pessoas bonitas, que valem a pena...e que marcam.
Mas sobretudo um descobrir de um caminho que cada vez mais tenho a certeza ser aquele que me conduz á plenitude.
Sei, que agora, qualquer dia posso entrar no bairro do Barruncho e não sentirei medo, logo encontrarei um rosto amigo...e muitos são os que ali não entram por desprezo...dois mundos tão distintos, separados por escassos 300 m...

Não vejo nada da mesma forma, tudo muda, depois de dias assim.Tudo o que tenho é demais, é um luxo...só posso agradecer, mas também partilhar.
Partilhar com vocês o que senti, ainda que as palavras se tornem monótonas e longas...mas não há imagens que falem pelo que senti...ás vezes é assim.


Encontro?
SIM.
Só posso dizer, SIM.

3 comentários:

lucie disse...

O meu coração inquetou-se a "ouvir" o teu falar.

O Barruncho... (:

Uma vez uma menina daí disse:
Sou irmã do mundo...

E é exactamente assim que nos sentimos quando regressamos da SEC!

Um beijinho grande

Lucia

Os olhos da alma... disse...

Oh Lucia, eu gostava tanto de saber quem és tu?
Dizes-me?

É que pelo que escreves, eu sinto que me conheces, mas eu não te conhceço.
FICO Á ESPERA DE NOTICIAS!

lucie disse...

Sou a Lúcia (grande novidade!!)

Fui a Taizé em 2007, assim como tu. Ias no outro autocarro, desses dias quem mais guardo é a tua amiga a Clarinha. Voltámos a encontrar-nos no jantar depois de Taizé. Mas talvez por já conhecer o teu blog na altura não me aproximei.. talvez por conhecer já o tesouro que és... (acredito que o sejas!)


E é assim que hoje continuo a beber do que sentes e a inspirar-me para a minha vida.

A Marta (q tb foi a Tz) aquando a nossa ida para as Férias Comunitárias disse: a Rita está ali, e olhei para ti pensativa naquele autocarro, vi-te partir sabia para o que ias. Tanto que escrevi num dos comentários:
"Vi-te partir de camioneta...
Olhar sereno... "Distante?"
Acho que estavas apenas a absorver as energias para a semana que começava...
Estavas a preparar-te para servir. Seria?"
É estranho, bem sei.

Demoro-me aqui, e foi com alegria que te vejo com pessoas que cruzaram já a minha vida, a Joana, o Cunha, a Irmã Beta, a Ana Margarida, a Gabriela, as crianças do Barrunho: a Irina, a Erika... o Gil... Aiiii. A SEC!
Fiquei feliz estranhamente por sentir que "partilhei" contigo essa experiência apesar de não nos conhecermos.Fica o registo dessa semana (http://www.youtube.com/watch?v=txGsG4DBf38)

Enfim, acho assim deliciosa a maneira e a intensidade com que te deixas tocar plo mundo.

E por isso é que vou chegando, comentando invadindo o teu espaço. Espantar-me com o que fazes e desejar assim baixinho que sejas feliz...


Abraço
Lucie