Alegoria da Caverna...
Dizem-me: "Não és sombra do que eras!" e não percebo logo o sentido da frase.
Reajo sem pensar: olho para trás à procura da minha sombra e, em vez dela, vejo outra pessoa. Assusto-me e viro-me para a frente.
Não olho para trás durante muito tempo e imagino um monstro nas minhas costas, pronto para me devorar.
Lembro-me do sombrio Peter Schlemihl que se tornou sombra de si próprio depois de vender a sombra ao diabo.
Penso: "Se não sou sombra do que era, hei-de ser sombra de outra coisa".
Fecho os olhos e regresso à infância, a uma noite de Verão em que Peter Pan voou pela minha janela deixando a sua sombra no meu quarto. (Era uma boa amiga a sombra de Peter Pan, brincávamos juntas pela noite fora à luz do candeeiro.)
Segredam-me ao ouvido: "Não tens sombra porque estás no escuro" e abro os olhos.
Não o podia ver, talvez fosse este o monstro nas minhas costas.
Ouvia-o mexer em objectos estaladiços e de repente acendeu-se uma chama.
E da chama nasceu a luz.
Olhei para ele.Tinha o rosto afunilado de Peter Pan, os mesmos olhos rebeldes.
Pensei: "A criança feita homem".
Disse-me: "Há outra forma de luz lá fora" e levou-me pela mão.
Podia ser este o diabo a quem Fausto vendera a alma e outros venderam o corpo, mas encolhi os ombros despreocupada.
Ofereço-lhe tudo isso de bom grado por ser dono da luz.
Caminhamos lado a lado com a dignidade com que os amantes caminham para o altar.
Estamos fora da caverna.
Não somos sombra do que éramos e a luz atravessa-nos ao meio.
Ou seja, não temos sombra e trocamos de alma como quem troca de corpo.
Somos livres.
2 comentários:
A sombra a que te referes é a protagonista máxima do "Bom combate", que travas contigo mesma.
Na luz o que é da luz...e na luz existe a sombra (aquilo a que vulgarmente e "carnalmente" se atribui o nome de "anjo-da-guarda") que compete com aquilo que te caracteriza a ti, e a todas as outras almas, chama-se "mensageiro" (ou então, o que vulgarmente se denomina "o diabinho pessoal"), nele encontras tal como na sombra, um amparo diário, é ele que te leva a percorrer caminhos nunca antes percorridos; a experimentar novas coisas...mas cautela: embora ninguém possa prescindir do seu "mensageiro" para viver, ele pode-se virar contra ti a cada segundo que passa.
Lembra-te sempre, usa e abusa dele, mas não te afastes demasiado da luz, para que a sombra jamais se afaste de ti.
Ah, na história do Peter Pan, era comum a "Wendy" abrir a janela do seu quarto, aguardando que o tal menino voador penetrasse nele a qualquer instante.
Ele poderia nem vir, mas o simples facto dela acreditar na sua existência, fazia deste sonho, um sonho real.
Inté
P.S. - Um dedal
:)
Tenho saudades de ti...
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