Faz tempo,que o Natal me deixa irremediávelmente mais quente por dentro.
Mais perto dos que estão longe e mesmo do que estão aqui,época em que recordo sem fim,outros natais.
Encanto-me com os brilhos que traz,não as luzes,nas ruas, mas sobretudo a luz que se acende nos olhos de algumas pessoas,mais aquela que eu gosto de acender,quando pouso o olhar...
Contudo,este ano,confesso,e talvez por estar mais ocupada e limitada a nivel de tempo,ainda não me embrenhei nas ruas da baixa,como faço desde pequenina,ia eu, pela mão da minha avó e a minha irmã pela outra,uma de cada lado.
Levava a minha capa encarnada,e o meu gorro de orelhas azul escuro,luvas nas mãos...e espanto no olhar.
Atravessavamos essa imensa avenida da Liberdade,encantando-me com 1001 tipos de luzes diferentes que por ali passaram.
Chegada ao Rossio,era a loucura com o sol de inverno a aquecer-nos,mergulhava sorridente no meio dos pombos e atirava-lhes milho,para logo a seguir entrar em pânico,porque pousavam em cima de mim todos ao mesmo tempo.E depois choramingava e voltava a reptir a proeza,sobre o olhar atento da minha avó.
O passeio não podia seguir,sem antes lanchar na pastelaria suiça,onde me lembro tão bem de ver aqueles casais já muito velhinhos,de braço dado,entrarem assim muito arrumadinhos,eles de chapéu e sobretudo,elas de saltos agulha,baton vermelho,e peles ao pescoço com a cara cheia de pó de arroz,cabelos armados em laca...a tipica velhinha alfacinha!
Os empregados de colete e lacinho ao pescoço,atarefados...o som das chávenas...
Ali, eu comia sempre um bolo que eu adorava,um guardanapo e um leitinho com chocolate,que vinha sempre acompanhado de um rebuçado no fim,porque era Natal e eramos crianças.
Depois de lanchar,era o grande momento de percorrer pela mão da minha avó, a Rua Augusta,essa que fazia os meus encantos,porque tinha sempre a iluminação mais mágica...e o fumo das castanhas no ar,havia crianças, com quem me cruzava,e balões coloridos...pessoas que pintavam no chão,caras,e faziam o impossivel...
Lá iamos pela mão da nossa avó,que sempre foi uma apaixonada pela baixa e pelo Natal.Eu sabia que a cada natal,havia um dia,que nos pertencia ás três...
E por fim chegava á parte em que me sentia realmente pequena,quando atravessava o grande arco,que divide a Rua Augusta do Terreiro do Paço.Desde o inicio da rua que o olhava,parecia um gigante de boca aberta e caminhavamos para lá,cada vez o via mais perto e ao chegar lá,olhava para cima mesmo enquanto andava,admirada com o seu relógio que deixa ver o tempo passar de qualquer ponto da cidade.
Passava um eléctrico amarelo,e aí estavamos nós já no fim do nosso passeio,na grande praça.
Ali parecia respirar fundo...de tanto espaço,e o rio logo ali ao entardecer.Iamos bem perto da água,havia uma pequena rampa,com duas colunas,cada uma com um bola na ponta.Eu queria sempre chegar mais perto da água...tocar-lhe,mas a minha avó nunca deixava.
Ficou-me esse desejo,e acabei por realizá-lo mais tarde em adolescente tantas e tantas vezes,mas depois deixou de haver rampa e as obras intermináveis começaram e nunca mais parecem terminar.
A baixa também já não é a mesma...nem os encantos,sem a mão da minha avó,o arco do relógio já não me impressiona e passo por ele vezes sem conta,sem me lembrar do seu tamanho.
As montras recheadas,nada me dizem.
Diz-me apenas o fumo das castanhas no ar...as crianças que por ali passam,com quem faço questão de cruzar o meu olhar,imagino que sintam o que eu sentia.Diz-me alguma coisa o rio Tejo,que corre sempre para o mar,diz-me o natal no seu verdadeiro sentido e não aquele com que o pintaram.
Que bom é recordar.
Agora queria ser eu a pegar na mão da minha avó de 85 anos,e levá-la comigo para a baixa e mostrar-lhe como tudo mudou,ao passo de que há coisas que nunca vão mudar,porque eu não vou deixar...porque as amo,as guardo,as cuido.
Mas ela está demasiado frágil e doente,agarrada a uma cama,na sua casa de memórias felizes,que fazem parte de mim também.
Não a poderei levar,mas fica aqui dito,que a forma como partilhou o mundo comigo,é responsável por muita da magia que me habita e me faz ver o mundo com olhos d' alma.
Obrigado, Avó Glória.
1 comentário:
Lembro-me exactamente das mesmas memórias, nesse dia or ano que nos pertencia às três...e de tirarmos fotografias montadas num burro verdadeiro, junto de um homem vestido de Pai Natal que nos oefereceu um balão e depois os paostais de Natal com a nossa fotografia...quando a avó se vestia das cores do Natal a felicidade acontecia...não havia consumismo, problemas, stress nem distâncias...eramos crinaças e o mundo brilhava para nós sempre que o menino nascia...Feliz Natal Mana...espero que este primeiro que não passamos juntas nos traga coisas boas e de novo a magia da felicidade às nossas vidas...
Muitos Beijinhos
Mana
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