Acho que todos temos direito a uma fase. Daquelas em que nos apetece partir tudo o que está à nossa frente. Nunca atirar o telemóvel pela janela nos pareceu tão certo. Queremos estar no silêncio. Sem moralismos, sem hipocrisias de falas mansinhas de gente cheia de peninha de nós. Adormecer no meio de uma reunião tão importante para concluir que na verdade a nossa opinião nunca chegará ao céu. Comer duas tabletes de chocolate ao jantar acompanhadas de batatas fritas e ir para a cama sem lavar os dentes. Sair do trabalho a meio do dia, conduzir até ao mar e entrar na água gelada ainda vestidos. Mas será isso o suficiente para lavar o corpo e a alma do que não gostamos de fazer? Será esse grito estridente o suficiente para perceber o que queremos? Não. Queremos ir mais longe. Queremos entrar no gabinete do chefe e dizer até nunca mais. Enfiar roupas simples dentro de uma mochila onde parece que cabe o mundo inteiro lá dentro e comprar um bilhete só de ida. Entrar no avião sem saber quando voltamos a pisar esta terra. Levar medicamentos para a malária, para a varíola, para o dengue, para tudo o que seja de terceiro mundo. Levar a esperança de ajudar quem precisa. Ficar um, dois, três, quatro, cinco meses, o tempo que a nossa cabeça pedir num país em que nos sentimos úteis. Viver com o essencial. Percorrer continentes com as unhas sujas e o cabelo por lavar. Sentir a necessidade de conforto na pele e as saudades de casa. Crescer ao reconhecer como o mundo não pode ser mais longe de tudo e de todos. Como somos tão insignificantes no meio disto tudo. Como a vida é volátil e, no fundo, acaba já amanhã.
Quando o fim está mesmo à nossa frente, é chegada a hora de por tudo em perspectiva. Pela nossa cabeça passam os melhores momentos, em modo repetição, as palavras que marcaram, as que ficaram por dizer. É na recta final que queremos parar um bocadinho o tempo. Passá-lo em slow motion, fechar os olhos e imaginar tudo diferente. Perceber o que nos vai fazer mais falta e o que vamos ter de melhor à nossa espera. A chave é respirar fundo e dar o último passo. O decisivo. Aquele que nos vai libertar de todo o medo, de toda a fraqueza que nos impedia de ver o caminho lá à frente. Agora é tempo de apreciar a calma da certeza, abraçar a decisão e fazer figas para sairmos inteiros. Porque não existe nada melhor do que ver chegar o momento porque tanto ansiámos, pelo qual batemos no fundo. Está a caminho. Sente-se no ar. No vento dos últimos dias. Nos sorrisos que se cruzam comigo. Está mesmo, mesmo a chegar. E eu, estou calma e serena. Preparada para abraçar um novo ciclo. Uma nova vida.
O meu coração é Africano.
Sem comentários:
Enviar um comentário