O últimos momentos em Moçambique foram de uma intensidade que jamais saberei explicar.
Se por um lado captava tudo, sabendo que eram mesmo os últimos dias e os vivia intensamente, com o dobro dos sorrisos, abraços e momentos de festa, por outro...o meu coração ia ficando pequeno, silenciado,chegado a um limite.
O que nos consola nestas partidas e o sentimento de missão cumprida e de ter atravessado todos os obstáculos com uma garra incrível que nem eu sei onde fui buscar?
E todo o reconhecimento por parte das pessoas com quem trabalhei, que me deram a certeza de que não podia ter sido melhor...para ambas as partes.
Aquele era o meu dia a dia, a minha rotina, os meus afazeres que cumpria com um agrado que poucos devem sentir nos seus trabalhos diários.Não era o meu trabalho, era a minha vida e só eu sei porque o digo assim, desta forma forte e radical.
Esqueci todos os perigos, esqueci todos os riscos, ignorei todas as coisas pequenas e insignificantes...e somente me dediquei a fazer o que realmente entendi ser fundamental, para essa mudança que quis.
Agora sei que a mudança em mim, essa foi enorme.E devo-a a cada pessoa, com quem me cruzei, mesmo aquelas que me chocaram, pela atitude negativa e pouco comunicativa.
Ao passo que ia pensando no regresso e em todos os reencontros...quem me iam encher de vida, pensava também em tudo aquilo que se vive uma vez na vida, em determinado lugar.Porque o vivi ali e nunca o viverei dessa forma, neste tempo, com aqueles rostos e vidas...perto de mim.
A vida vai avançando...e as pessoas mudam de lugar, mudam de rumo...mas acredito que nelas fica sempre, o que deixamos de bom.Pelas minhas mãos, passaram 90 crianças em sala, mais as que vinham fora do contexto escolar.Vi-as evoluir e aprender a ler e a escrever correctamente,vi-as desabrochar em afectos e regras que desconheciam.Partilhamos tudo, juntos, como se de um mesmo barco se tratasse.
E eles, como me fizeram descobrir capacidades que desconhecia em mim, ou aprofundar aquelas que já me caracterizavam.Foi dos momentos mais fortes da minha vida.
Refugiei-me no lago pela última vez durante 4 dias, para me despedir com calma, daquelas águas onde eu mesma desaguei muitas vezes...num ano e meio.Vi e senti tudo o que queria sentir antes de partir.E pela natureza dos dias antes de uma partida, não pude despedir-me de toda a gente como gostaria, e a alguns nem disse um último adeus.Mantenho aceso o desejo de voltar,um dia.
Entrei num avião, onde assim que levantei voo, foi assolado por uma chuva tropical enorme, a primeira da época, não tinha chovido durante meses.Achei curioso.
E fui sentido, hora a hora, milha a milha, Moçambique a ficar mais longe...os rostos de olhos brilhantes,ainda olhando para mim, por uma última vez...o cheiro daquela terra cheia de magia, os sons, que me agitavam a alma... ao nascer do dia.
Desembarquei numa Lisboa bem mais fria, mergulhada em crise, mas sempre bela.Ainda assim tudo me pareceu artificial e demasiado automatizado.
A verdade simples, ficou naquilo que se deu, longe.
Tudo,tudo impresso neste coração, para a vida.
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