Estou diante do Portátil, sentada.E eu juro, que com tantas palavras por mim aqui proferidas, hoje,talvez eu não seja capaz de vos dizer, a todos quanto Amo, (e aos que não amo também...mas que por aí andam...), o que estou a sentir.
Deixei o hospital, há mais ou menos 1h.
Ainda não estou em mim.Ainda me sinto dormente.Anestesiada.
Eu sei, que aos amigos que me lêm diáriamente, isto é duro de ler, isto comove, isto custa.Não mais do que a mim, que o escrevo vezes sem conta.Que espero, um e outro dia, por melhoras que não existem.
Os últimos meses, têm sido uma luta.Desgastante,em que se vê uma vida definhar á nossa frente, sem poder fazer nada para a suster.Porque é mesmo assim.
A única coisa que se pode fazer, eu não me canso de fazer é: Estar.A presença, o carinho a atenção, os mimos, tudo isso,mas principalmente a dignidade, o meu pai teve e tem.
Contudo, é muito duro, sabermos que aqueles braços que se movem agora, aqueles olhos que ainda contêm expressão, aquela voz inconfundivel, deixarão de existir, concretas e reais, para se fazerem memórias.Mas ainda não o são, estão ali á minha frente.Como é duro isto.
Hoje, cheguei ao fim da tarde, junto do meu pai.Assim que cheguei, percebi que voltou a não comer.
Já fez 3 transfusões de sangue no espaço de 2 dias.Num hospital, procura-se prolongar a vida, o mais que se pode.Mas eu peço desculpa a quem possa chocar, mas eu não sei, se a minha opinião sobre o prolongar da vida, sem qualidade, não se alterou já, depois de tudo isto.
Queixou-se de ter dores, mal o analgésico acabou de correr.Por mais medicação que possam dar, as dores presistem.E ele, como o conheço, não se queixa.Aguenta, quando não tem que aguentar.
Falei com a enfermeira, para aumentar a dose.Não pode, pois não está prescrito.Eu entendo, mas e então, ele vai ficar sem dormir mais uma noite, por ter dores, até que o médico chegue de manhã e decida aumentar a dose de analgésico?
Nas minhas rotinas com o meu pai, entrei por fim.Luvas de latex, creme hidratante, para as pernas, braços e cara, a pele descama muito.Á medida que o toco no seu corpo fraco e me arrepio por dentro,também me fortaleço, não sei explicar.
Ele olha-se e lamenta o estado em que se vê.Diz que é pele e osso.E eu tento distrair-lhe a atenção...com outras coisas, enquanto as minhas mãos percorrem com cuidado os braços, negros de tantas picadas, em busca de veias.
Depois de lhe lavar os dentes, e entrar e sair do quarto umas quantas vezes, reparo que o seu médico mais antigo, está por ali, cruzamos olhares.Ele viu-me e olhou-me demoradamente.Eu vi-o, mas não o quis olhar da mesma forma, porque não queria ouvir mais nada.
Eu já sei que ele está mal.Eu fui deduzindo muitas coisas,ao longo deste caminho, sem os médicos me dizerem...talvez pela minha própria experiência.Enquanto toda a minha família esperava uma satisfação clínica, eu tirava-a só de olhar para o meu pai.
Mas há coisas, que só quando ouvimos, acreditamos.E eu, habituei-me a estas rotinas, no hospital, a tratar dele, a deixá-lo o melhor que podia, a achar que isso, lhe daria mais vida.E deu.
Ninguém vive sem Amor.
No entanto hoje, soube por aquele olhar, que o médico me iria procurar.
Passados alguns instantes, entra o médico e um estagiário.Fecha a cortina, e começa a apalpação do abdómen, enquanto troca, termos clínicos com o estagiário, que olha o meu pai com um certo ar de pena.Não gostei.Senti-me também eu cobaia.Mas sei que eles aprendem assim.Com quem acaba de chegar ao mundo e com quem está de partida.
Alguma força, trocada entre eles, por se conhecerem há algum tempo.O suficiente, para saber, que este médico fez tudo, mas mesmo tudo o que podia pelo meu pai.
O meu pai de lágrimas nos olhos e eu quase a rebentar também.Mas contive-me.
Ficámos sozinhos.Não falámos sobre nada.Porque o silêncio também fala e diz mais, muito mais nestas alturas.
A parte da despedida, como sempre, custa-me horrores.Não quero ir embora.Todo o tempo do mundo é pouco, neste momento.Se pudesse passava o dia com ele, e a noite.Mas temos que viver, ocupar a cabeça,arranjar forças, sorrir, apesar de tudo.Não é assim?
Quando finalmente, no meu passo lento e meio perdido, me encaminhava para o elevador, o médico, chama-me e diz-me, olhos nos olhos e de mão no ombro:"Ritinha, estamos mesmo no fim..."
Naquele momento, pensei, que se referia á visita ter terminado há 20 minutos e eu ainda ali estar, mas isso acontece todos os dias e nunca me disseram nada, pelo que respondi:" Eu sei, já me ia embora..."
Só, segundos depois, caí em mim.Percebi então, que ele se referia ao meu Pai.
Foi muito claro e apesar de não me dar nenhuma novidade, foi como que congelar o meu coração...que deixou de bater.
Apenas, lhe perguntei ainda, quanto tempo tinha?Ele disse-me que isso nunca sabia ao certo, mas que as coisas estavam mesmo no limite.
E foi a resposta suficiente para me trazer de volta a casa, pelo mesmo caminho de sempre...longe de tudo e de todos.E nesse momento, não estava ninguém lá fora, para me abraçar ou ouvir, como concerteza me ia saber muito bem.Pois é nestes momentos que se cresce e se fortalece uma capacidade de resitência, que muitos, (nem eu mesma) sabem explicar.
Lembro-me de entrar em casa, de me sentar aqui e começar a debitar palavras...aqui estão.Não são um filme, não são ficção...são reais e são a minha vida.
E agora, vou dormir, porque amanhã é outro dia.
(Nem fui visitar o R.Amanhã...)
5 comentários:
Querida Rita:
Há já algum tempo que te leio quase diáriamente e tenho acompanhado a doença do teu pai.
Ao acompanhar-te hoje é duro perceber o quanto estás a sofrer e o teu pai também.
Desejava dizer-te umas palavras de conforto,mas não sei bem o que dizer-te para te dar forças...
Quanto eu te admiro!És uma lutadora,uma filha dedicada!E com toda essa dedicação prolongaste a vida ao teu pai.Ele,apesar do muito sofrimento,deve estar muito orgulhoso de ti!
Coragem!Muita força!Rezo por ti,pelo teu pai e pela tua família!
Um abraço amigo,
Celeste
Um abraço forte...e que Deus Pai te ilumine, te carregue no colo, te alivie a dor...
bjs
Magui
Querida Rita,
apesar do silêncio, estamos contigo e sentimo-nos próximos. E emocionamo-nos com as tuas partilhas. Tens estado no nosso pensamento e orações.
Ver alguém que amamos a despedir-se da vida deve ser muito doloroso. O teu pai deve estar muito orgulhoso de ti. Tem no seu coração a tua presença, o teu olhar, o teu sorriso, as palavras que lhe ofereces...e isso ele levará com ele: TODO O TEU AMOR E DEDICAÇÂO!
Um beiJHinho e um abraço apertado destes 4 amigos,
FH LRLM
Querida Rita,
são para ti estas palavras de Khalil Gibran do livro O Profeta:
"É a dor que parte a casca do vosso entendimento.Como o caroço do fruto se deve partir para que o seu coração se ofereça ao sol, assim deveis conhecer a dor. Podereis guardar o vosso coração deslumbrado pelo milagre de estar vivo todos os dias e a vossa dor não vos parecerá menos maravilhosa que a vossa alegria".
FH LRLM
Desde O caminho de Santiago que venho aqui ler-te. Não te conseguirei explicar o que sinto sempre que te leio, oiço e vejo neste blog, apenas. que estes momentos são preciosos para mim, de alimento.
Um abraço Rita :)
Cláudia Gomes
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