quinta-feira, 28 de maio de 2009

A vida também é feita de partidas... e ausências.








(Eu, no passado...)






Recebi um email hoje, a relembrar que...

Faz hoje,anos que um acidente de mota te tirou a vida.


Colega de turma, amigo, uma das primeiras paixões e de quem não nos esquecemos.


Não tenho nenhuma fotografia tua, apenas minha desse tempo.


Para o Nuno, onde quer que esteja.







Eu tinha uma mochila da Monte Campo e um casaco Encarnado. Usava o cabelo muito comprido e encaracolado, preso com dois ganchos e esperava na entrada da escola para te ver chegar.

Tu vinhas de Vespa, preta como o teu capacete. Guardava sempre o meu melhor sorriso para quando tiravas esse capacete e, sacudindo o teu cabelo louro, olhavas para mim. Sabias que eu estava ali mesmo antes de parares, e vinhas sempre dizer-me olá. Sabias também que eu o esperava.

Às vezes ia assistir aos treinos da equipa de volley da escola com alguma amiga e fingia que olhava para os outros rapazes mais velhos. Um dia a bola foi parar perto de mim e quando a foste buscar disseste-me "sei que é a mim que vens ver, porque não mo dizes?".A resposta foi uma careta a desdenhar a tua afirmação, e o rubor a surgir na minha face. "Não ligo a miúdos", disse, e tu piscaste-me o olho e sorriste, antes de voltar para o treino.

Cadernos pautados, livros e folhas quadriculadas faziam parte dos meus dias.Calças á boca de sino,sonhos e as fugas aos almoços horríveis na cantina da escola.As tardes de estudo, todos juntos na biblioteca, e os lanches de panikes, cheios de gordura e chocolate.Os Torneios de cartas nos intervalos das aulas adiados por conversas e brincadeiras.

Um dia Ficámos no mesmo grupo, para um trabalho de Português, o que provocou primeiro o teu riso mas depois uma surpresa com a qual eu não contava. A composição que tinha sido pedida era difícil e eu queria contar com a tua ajuda, além da tua companhia. E como me ajudou o teu sorriso, como me inspirou a tua pele morena, o teu fresco odor adolescente. Quando me beijaste perguntaste-me ao ouvido se eu já ligava a miúdos, e rimos ambos, um riso que por vezes ouço, um ricochete de felicidade nas paredes intemporais da vida adolescente.
Não sabia nessa altura que a primavera dura apenas um segundo.
Mostrei-te o trabalho final antes de o entregar, afinal tinha-o escrito por e para ti. Eu sabia que estava bom, mas o meu entusiasmo só apareceu depois de ver o teu. Não queria ter uma boa nota, nem queria louvores da professora, queria apenas contar-te a história mais bonita do mundo. Disseste-me que não deixasse de escrever nunca,porque escrevia bem.


Se tu soubesses, ainda hoje faço dançar a tinta negra de uma caneta, que desenha no papel formas do alfabeto e nessa dança aparecem as palavras que já lá estavam antes da tinta as revelar. Ainda hoje abro um ficheiro de Word e primo as teclas que comandam o aparecimento de caracteres nos cristais líquidos do écran. Ainda hoje, tanto tempo depois de teres desaparecido.

E sempre que o faço lembro-me das palavras que disseste nessa tarde antiga, lembro-me que um dia te quis contar a história mais bonita do mundo.


Um beijo cheio de saudades...