sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Paris...?


Porque não?
















A porta fechada.

A solitária margarida amarela colocada no copo ao seu lado para lhe prolongar a memória do dia.

A cabeça encostada ao travesseiro e a certeza de estar viva...e querer continuar a viver intensamente cada dia, cada pessoa.

Devia-a ao sol, ao rio que conhece, onde se tinham abraçado pela primeira vez com profundidade, devi-a ás memórias de uma vida.

Hoje tinha voltado ás suas margens, e caminhara algum tempo.Procurava uma resposta...

Fora tão feliz em 26 anos nas suas margens e isso bastava-lhe para não se sentir sozinha. Mesmo depois de o ter deixado ficar no átrio da velha estação.

- Vejo-te em Março?

Queria dizer-lhe que talvez não.Mas seria capaz?

Sabia que nessa altura os caminhos seriam outros e já não haveria ele, a sua máquina fotográfica e o rio que amava a escassos metros, enquanto o comboio continuava a passar a ponte ou os verdes vales.

- Até lá, sim!

Acabou ela por responder, sendo fiel a si mesma.

De luz apagada, janela aberta e reflexos das luzes exteriores no vidro do seu quarto, pensava se não teria sido esse o momento em que o tinha começado a admirar verdadeiramente, e senti-lo como parte de si.

Viajavam ainda a uns 50 quilómetros por hora, mas ele abriu a última porta, puxou-a para si e ficaram a olhar o rio em silêncio, com o vento suave a uni-los.

Sim, teria sido certamente aí. O cheiro dessa tarde e das memórias confundia-se com o seu, agora ali tão perto.


- sabes por que se diz que há sentimentos que são cegos?
Porque sabemos reconhecer e que gostamos de alguém pelo seu cheiro.Inconfundível.


E pelos olhos. Fundos.Pelo sorriso que nos arrepia, pela fluidez de pensamentos, pela sintonia, queria responder-lhe ela.

Em vez disso olhava-o. Como olhava agora a pequena margarida que tinha colhido para si no jardim de regresso a casa , enquanto avistava os locais de sempre do outro lado do rio.
Não sabendo, se o voltaria a ver em Março?


E quando dizia ver, era o ver de tudo menos de olhar, porque ela sabia que entre "ver" e "olhar" haviam largas diferenças.

Não que não conseguisse esperar até lá, pois já se tinha habituado a uma certa ausência, ou que não quisesse...era o que mais queria.

Guardaria religiosamente a sua margarida desse dia, mais as recordações no seu quarto e lembrar-se-ia do seu cheiro, das pequenas rugas em torno dos olhos e da sua máquina fotográfica.
- (a captá-la)
Bastava fechar os olhos.


Não, não seria isso. Era a previsibilidade. Sabia que em Março já não haveriam as mesmas margaridas, fronteiras do outro lado do rio e a ingenuidade da primeira vez. . .
Mas haveria um outro rio, e uma cidade inteira cheia de magia, para os receber...em paz.

Março poderia ser o fim, porque na verdade ela já não conseguia viver assim.Sabendo que tocara sentimentos eternos, mas que a partir do momento em que estes lhe fizessem mais mal do que bem...
Não um fim drástico, mas suave, como tudo era aliás nesta história.Preferiu então ficar apenas com o cheiro do começo.


Fechou então os olhos, à espera que a manhã chegasse...perguntando-se:

-Paris porque não?

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