1.No caminho para casa
Saí tarde, ontem.
Percorri a baixa a pé, só para vir para casa.As ruas balançavam entre aromas de especiarias e o adocicado dos doces festivos.Luzes e mais luzes, gosto delas.Porque na verdade também acendem algo dentro de todas as pessoas, parece que o olhar se prende e descansa nelas.
Mas nem isso libertou o frio que me guiara entre as ruas estreitas.
Saí para a rua...para olhar!
As vivas folhas do Outono. É assim que as vejo.
Estão agora da cor que trago.Caem agora seguidas e serenas mais do que nunca.
Cada uma como um ser que se passeia em floresta de sons e cores. Desmaiadas de tons fulvos, cercam os troncos, espalham perfumes em chão de terra revolvida, sedenta de gotas de chuva.
E o meu olhar vagueia, colhendo sombras, descobrindo esconderijos onde se escondem sentires, disfarçados em folhas que a aragem leva.
E voam, fogem, negando o roçar do sol, o calor do afecto de quem passa.
Tantas vezes repetido este caminho. Nunca igual.
Hoje coloco a mão, tacteio o vento, aspiro o som que me chega de mansinho, no silêncio do tempo.
Hoje detive-me a olhar para elas, amarelas e secas a caminhar sobre elas, que pena não poder ser descalça...
E avanço, crestando a alma, sem perceber que os silêncios a despertam e também as cores.
Mas fecho os olhos. E abraço o vazio, enchendo o meu ser de sorrisos, soltos em solidão desalinhada, mas real.
Vou para casa.
2. Em casa
Tomei um banho quente, que me tirou o cheiro a grande cidade...e a agitação de Natal pelas ruas.
Aninhei-me junto ao aquecedor até quase sentir as mãos queimarem de calor.
Fui até á janela da cozinha...
No prédio em frente, luzes acesas deixavam entrever interiores, pessoas andando apressadas, roçando a complacência que só naquele dia deixavam transparecer.
Sempre senti uma curiosidade infantil em observar vivências escondidas, protegidas entre os muros das casas.
As janelas sempre foram para mim como pequenos ecrãs, captando cenas, desajustadas do seu contexto total. Depois, era fácil imaginar histórias que, seguramente, nada tinham da realidade dos personagens que se cruzavam nesse espaço. Ou tinham e eu nem me apercebia.
Os ruídos do prédio e da rua chegavam-me difusos. Coloquei um cd e mergulhei no ritmo da melodia, deixando o corpo diluir-se em movimento.
De uma forma incómoda, senti um olhar pousado em mim, na janela em frente alguém observava os passos de dança que esboçara. A contrariedade deu lugar ao riso.
Afinal, uma história começara a delinear-se, exterior à minha.
Aproximei-me da janela e uns olhos divertidos, risonhos, responderam ao meu sorriso aberto.
Era uma criança.Só podia.
Ela fazia, aquilo que eu sempre fiz.
E um dia dirá, que as janelas, também eram para ela como "pequenos ecrãs, captando cenas..."
E quem sabe, pisará folhas amarelas de Outono e sentirá prazer nisso?
3.Agora
Faço uma pintura com palavras sobre o sentir.Que boa forma de terminar o dia.
Vou lavar os pincéis, arrumar as tintas e pendurar a tela.
Até amanhã.
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