sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Sonhei que...














E esta noite sonhei isto, talvez pela grande volta a Sintra na 4a feira e por me reconhecer em cada recanto por onde andei:








A estrada lembrava-me de dias em que nunca me cansava, que nunca fosse parar.


O carro parecia contente com isso.


Ou então eram as minhas mãos que iam contentes, dando voltas ao volante, quase só com as pontas dos dedos leves, serpenteando ao sabor da estrada, pelo monte acima, como se soubessem de cor aquele caminho, como se cada curva fosse um sulco familiar nas minhas mãos de palmas quase indecifráveis.


Uma vez um quirólogo experiente disse-me que as minhas mãos eram quase indecifráveis, que tentar lê-las lhe produzia a impressão de estar a bater com a cabeça numa parede.


Isso faz-me sorrir... pois como haveriam as minhas mãos de ser diferentes de mim, acessórias? Claro que não, elas são coerentes com o todo.


E ali estavam, deliciadas com o caminho tortuoso mas fluido, e fluíam, como toda eu fluía, monte acima.


Os meus olhos mal poisavam na estrada, era como se eu pudesse fechá-los, como se tudo em mim soubesse de cor todas as curvas, todos os ganchos, todas as escarpas ameaçadoras.


Olhava as árvores, os penhascos e ignorava a estrada, que não havia em mim.


A lua crescente espreitava-me, aqui e ali, e quase era capaz de ouvir os pássaros da noite, sabia-os, mesmo que o carro velho roncasse mais alto, no esforço da subida.


O carro era um empecilho, deixei-o a fumegar numa berma e segui a pé, precisamente no ponto onde a vegetação se tornava dona de todo o lugar, densa e possessiva, rastejando sobre muros, mesas de piquenique abandonadas, casas arruinadas, e mesmo os troncos das árvores revestiam-se ali de trepadeiras selvagens.


Oh, aquilo era um lugar mesmo... meu!


Embrenhei-me na floresta nocturna como se fizesse parte dela, e continuei o meu caminho, pois de repente eu sabia que tinha um destino.


Desconhecia-o, mas sabia que ele estaria lá e tinha uma impressão vaga de estar atrasada, muitos séculos atrasada.


Por isso apressava-me, ofegante, as pernas arranhadas pelas silvas, as mãos ásperas de me apoiar em troncos rijos, os cabelos emaranhados pelo vento - que sempre se mostrara particularmente artístico com eles.

Era uma casa enorme, na verdade era um castelo de pedras soltas, empilhadas umas sobre as outras, com um desenho de paredes que logo compreendi. Ainda restavam algumas portas, uma especialmente bonita, de madeira grossa, e as janelas.


Havia muitos compartimentos sem tecto ou com grandes buracos que deixavam entrar a lua. E as trepadeiras.


Visitei-os todos, até que encontrei uma grande laje de pedra, incólume, onde me deitei sem hesitar.


É aqui que durmo, eu sei que é aqui.


E adormeci, dormi um sono longo e repousante, o sono dos valentes que voltam quando já ninguém os espera.





Sei que o dia seguinte foi o mais extraordinário de todos os que vivi até então.


Mas não me lembro de acordar.


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