terça-feira, 3 de julho de 2007

Retorno ao Mar...
(Madeira Agosto 2005)


Estava um fim de tarde e começo de noite enevoada e meio fria, de lua cheia, velada.
Assim que saiu do café, onde o ar abafado e os vidros ressoados a tinham feito sentir-se oprimida, decidiu dar um passeio em vez de ir para casa.
O silêncio pesado do mar estava a atraí-la. Chamava-a. Ela respondeu ao apelo mudo, devagarinho, como se fosse ao encontro de aguém muito querido.
Lá estava ele, negro, quase parado sob a camada de nevoeiro, que era mais densa sobre a água. A sua voz soava como um suave marulhar junto aos penedos e suspirava baixinho na areia, onde ela se foi sentar, descalça. Ah aquele som...a ir e a vir, constantemente.
Ficou a olhar para a orla das ondas que lhe aflorava os pés. Era uma carícia terna, como se a água gelada a acordasse e relembrasse de todos os caminhos demorados e custosos, onde cada passo lhe tinha doído tanto, mas a tinha feito chegar até ali, firme e decidida, feliz!
Parecia não ter fim... tanta distância... tudo tão árido!
Ao passo que tudo estava já consumado e perfeitamente alinhado, para viver.
Os outros caminhantes iam na direcção oposta e olhavam para ela, era hora de recolher, tudo parecia estar a ficar ventoso e pouco acolhedor.
Mas tinha a certeza de não estar enganada. Bem, na verdade, algumas vezes duvidara. Momentos em que se sentara, desolada; outros de estranhos desvios onde houvera sorrisos e doçuras... Chegara mesmo a dar meia volta. Mas nunca dera um único passo para lá da meia volta.
Algo dentro de si, como uma bússola, lhe mostrava que o seu caminho estava certo e retomava-o sempre, mesmo sendo estranho e assustador, oh, e era mesmo impercéptivel!
Deu uma pequena risada deixando-se cair de costas na areia, o mar a molhar-lhe as roupas e os cabelos.
Sentia-o como se, tomando conta dela, a recebesse, ali.
Estendeu as mãos e mergulhou-as na água.
Naquele momento soube que não havia bússola.
Eram os pássaros da noite, a lua e as constelações que a levavam como guardiães, ou como irmãos.
Tinham-na levado até ele, ao mar.
Percebia isso ao recordar o primeiro olhar trocado e aquele abraço longo, repleto de murmúrios; e quando ele a puxara para si, não sentira qualquer medo. Mas uma enorme e inabalável paz.
Ela desejava que ele a absorvesse, inteira, já conhecia as suas profundezas, sabia que estava lá, desde sempre, e nele havia de se encontrar, no mar, só no mar. Bem fundo....




Quando entrou na sala estava encharcada e a tremer.
Música suave, tocava, e o cheiro a comida era intenso...luz fraca, direccionada para ele.
Ele ergueu os olhos do livro e, por um momento, ficou a mirá-la...sorrindo.
Ela sorriu, aconchegando-se no abraço quente e perplexo que o deixou igualmente ensopado.

-Que aconteceu?

- Acabou por não acontecer nada... - respondeu-lhe ela.

-Tu és fundo e os teus silêncios são tão repletos... O mar é como tu, e eu confundi-vos.
Foi o frio que me chamou à realidade. O mar é muito frio, senão...
Esta afirmação suspensa fê-la morder os lábios.
Acabava de sentir, de forma explícita, que ele, se parecia verdadeiramente com a imensidão de um mar calmo... às vezes muito frio.





(Mas esse não era o seu mar...quente e dourado.)

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