quinta-feira, 30 de abril de 2015

O pescador que me salvou...como um amigo.










 







Pensando sobre a amizade...que vou vendo morrer em tanta gente.Ontem faziam Km e milhas por ti.Hoje nem atravessam a rua.Hoje falam por um monitor...deixando o brilho do olhar escondido...

Lembro-me das mais belas provas de amizade...em África.
Num dos dias da missão no Príncipe o Verão passado, embrenhei-me pelo desconhecido e fui além da rua feliz.Era tudo o que precisávamos fazer, ir além da nossa rua feliz.Havia muito a descobrir, pessoas novas, vidas novas.Nesse dia apercebi-me que um dia livre como aquele, numa ilha, tinha muito mais de belo perto de casa, do que longe dela.
Mais uma vez parti, esquecendo-me das minhas limitações físicas.Acordam-me de vez em quando...
Caminhando em direcção a uma praia que diziam ser linda, passei por aldeias de pescadores,falei com todos, vi crianças a brincar, senti o cheiro da tarde quente...um percurso nem sempre fácil, rochas, descidas, mato, mas lá fui confiando como sempre, no caminho.

Mas como em tudo na vida, chega a uma altura em que precisamos de ajuda.Sozinhos não chegamos lá...

Volto à ilha e ao caminho duro.Como transpor aquelas rochas enormes, quero ver a praia, dizem que é tão bonita, quero sentar-me num tronco, ouvir o mar, sentir o silêncio, fechar os olhos e estar de alma naquele momento.Vai saber-me tão bem.
Depois de muito tentar, percebi que não ia conseguir.E fiquei mesmo pela praia dos pescadores...mais suja e mais cheia de gente...aceitei.
Um pescador, viu-me ali com os pés de molho, e perguntou onde queria ir?Respondi para a praia seguinte...ele indicou-me o caminho.Disse-lhe que já tinha tentado...mas o caminho para mim era quase impossível, explicando porquê.
Ele nunca me tinha visto.Nada nos ligava.Eu era apenas uma branca com pinta de turista, ali encostada aos seus barcos, na praia.Onde estava a nossa amizade?
Ele apenas disse:"Tu tens que chegar naquela praia..." Parecendo saber porquê...
Deu 2 gritos e apareceram mais pescadores, começaram a arrastar o barco...e a colocar combustível, o único que tinha para a pescaria da madrugada.que significava o sustento diário da família.Eu disse-lhe que não, que ficava por ali...mas ele nem me deu ouvidos.
Barco na água, mandou-me subir, ligou o motor,.,e partiu.
O vento pacificou-me o coração e a vista da ilha vista do mar era maravilhosa...contemplei.Sorri e agradeci.Ao chegar à  praia, crianças corriam livres por ali...ele deixou-me e disse que voltava daí a 1h. Agradeci e tentei pagar o que tinha gasto, não aceitou.Estava feliz por me deixar ali.Mais do que eu.Confiei cegamente naquele pescador.A noite ia chegar e eu dali sozinha não podia sair.Confiei.Como em tudo na minha vida, só me restava confiar.
A praia era tão bonita.Mais, muito mais do que me disseram.
Havia um tronco onde me sentei, perfeito.Sentei-me e ali chorei com vontade.Chorei todas as vezes que quis chegar a algum lugar e não consegui.Chorei todas as vezes que não senti chão...que me senti sozinha, mas confiei.Chorei as dores que sentia no meu corpo por ter sido remexido e remendado...uma e outra vez, para ganhar a vida.Chorei todos os amigos e família que a vida me trouxe e levou embora, sem pedir.Agradeci por todos os amigos incógnitos que a vida nos traz e nos amam incondicionalmente...de forma gratuita.São talvez os mais puros e verdadeiros.
Fiquei ali, a ouvir as ondas leves a rebentar...as crianças a rir e a correr.Fechei os olhos e sorri...sorri com uma paz profunda e uma gratidão pela vida, esta vida que me deu luta, mas que resgatei.
Depois, o mar chamou por mim e eu entrei nele,de rompante, lavando a alma, nadei até sentir o coração a querer saltar para fora...deixando depois o meu corpo flutuar.
Paz.Era o que sentia e uma alegria que nunca hei-de esquecer.
Ao longe ouvi o motor...o pescador que nem sabia o nome, o meu amigo voltaria para me levar de volta á cidade de Santo António...a essa tal de rua feliz.Mas a felicidade estava ali mesmo...
Voltei no mesmo barco, encharcada, com uma criança na proa...parecia um sonho.
Levei uma lição...O que tinha aquele homem, para me dar?Gastou tudo o que tinha para me colocar numa praia deserta e maravilhosamente bela e fez disso uma missão, sabendo que me feria feliz.
Não será isto amizade?Sem saber se me voltaria a ver...mas sabendo que não esqueço o que fez por mim e que o faço presente no mundo, contando esta história...em nome da Amizade.
De todas as amizades que perdi, das que me fazem tão feliz e das ainda estão para vir..







Nos últimos dias na ilha, ia eu passando na avenida principal,ouvi chamar;" Rita!".
E quase dois meses depois deste episódio, e de milhares de rostos todos parecidos, hesitei olhando para ele e foi quando disse:"Sou eu, o pescador, que te salvou...o Osvaldo" e começámos a rir.Tirámos esta fotografia, que mais tarde lhe fiz chegar e espero que a guarde e saiba o quanto foi importante cruzar-se comigo.Porque me deu tudo o que tinha naquele momento sem pensar em mais nada.E é isso que nós,que nos intitulamos de amigos, muitas vezes não conseguimos, tendo tudo...um tudo que é nada.


E é por isto e muito mais que África encerra em si as mais belas histórias e lições da minha vida.



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