Fiquei sem carregador para o portátil e na espera de um..tudo correu de forma diferente.
As diferenças em como pautamos o nosso dia, com ou sem computador, são abismais.
Acordei e não fui direita ao computador, fui á janela e respirei o sol da manhã, olhei os carros lá e baixo e vi as crianças a correr para a escola, que fica mesmo ali ao lado da minha casa.
Depois tomei o pequeno almoço a pensar nisso mesmo, no pequeno almoço e não a ler qualquer notícia que me chega pelo email, pelo facebook, que me faz rir, emocionar ou muitas das vezes ficar sem reacção.
Permiti-me a não ouvir música pelo YouTube, a escolher um dos cd's velhinhos que aguardam no meu quarto que alguém lhes pegue.No tempo em que eu ouvia cd's e compilava as minhas músicas preferidas.Recordei.Por momentos fechei os olhos e recostei-me e ouvi parte do meu passado feliz.Tantas pessoas, palavras proferidas...momentos efémeros, mas que marcaram para sempre.
E foi então que resolvi remexer nas gavetas e deitar mais uma parte de coisas que não considero úteis no lixo.Papéis que não sei porque os guardei?Talvez saiba, porque na altura eu sentia e pensava de outra forma.E agora mudou tanto, estou menos agarrada ás coisas, e cada vez mais aos momentos.Coisa físicas, papelinhos, rosas secas, pedaços disto e daquilo que julgava eu na altura, que contavam a história da minha vida.A história conto-a eu, guardo-a eu, partilho-a eu.
Sem pena desfiz-me de tudo isso.
A dada altura o meu coração paralisou, quando no meio dos papéis, me caem nas mãos fotografias.
Isso mesmo fotografias, minhas e do meu Pai.
O olhar cristaliza.E respiro fundo.Por fim sorrio.Parei tudo e recostei-me mais um pouco, desta vez não sei quanto tempo me detive naquelas fotos...soube bem.
Parece que foi ontem, a última vez que falamos.Mas entre esse dia e hoje, um milhão de coisas aconteceram e eu perco a conta ás vezes que ele esteve presente em todas as minhas aventuras por aí.As saudades que tive pareciam agora aconchegadas ali,por simples fotografias, que me provaram mais uma vez que fui e sou uma sortuda, por ter tudo o que recebi de um Pai assim.Mas lamento e hei-de sempre lamentar, um final assim.Porque ele merecia mais.Mas isso havemos sempre de achar daqueles que amamos e partem demasiado cedo...ou ainda que partam tarde.Partem.E as partidas custam sempre, sobretudo se sabemos que não têm regresso para breve.Apenas reencontro...um dia mais além.
Continuei a minha busca por mudança, e libertei a minha secretária, de um computador de mesa antigo, coloquei algumas fotos e o meu candeeiro Turco.Ficou mais leve, este espaço, onde agora escrevo.Criei este espaço para os meus momentos de fim de dia.
Depois cozinhei o meu almoço calmamente sem interromper nem por uma vez o que estava a fazer, para responder a alguém no computador.Almocei e continuei a minha tarefa de desocupar gavetas cheias de "tempo".
Soube-me muito bem remexer em tudo isto.Encontrei as coisas mais incrivéis, desde bilhetes de concertos, a mapas das mais variadas cidades da Europa,cartas de Taizé...cartas de amigos secretos e fotografias já meio sem cor, do tempo em que ainda se revelavam.
Recebi duas chamadas e detive o olhar no céu enquanto me abeirei da varanda, algo que aqui não tenho vontade de fazer.Já tive janelas, onde a vista de desdobrava em pequenos jardins, onde míudos jogavam e dançavam, chamando pelo nosso nome, para nos juntarmos á festa.Aqui passam carros e as janelas dos vizinhas fecham-se cada vez mais, porque morreram, vendem a casa ou partiram para outro País.Tal como eu.Tudo isto não deixa de me fazer sentir um vazio, no meu lugar, embora esteja feliz de o rever e senti-lo como meu.Porque o é.
Depois acabei por encher 2 sacos de roupa que já nem me serve mas que guardamos porque achamos que um dia vai servir.Não tenho ilusões e desfiz-me delas.O acto de nos desfazermos do que já não precisamos é importante.Como em tudo na nossa vida.
Eu começo por aqui.Mas há muito a limpar.E falo também de sentimentos.
Partirei mais leve, seja como for.
Ás vezes penso que isto é comum a quem esteve longe a quem alargou o seu mundo e horizontes.Nunca mais olhamos nada da mesma forma.É impossível.Cada gesto que tenho, me recorda alguém, uma situação, um lugar.Uma aprendizagem, uma gargalhada, uma lágrima.Uma vida que vi partir mas que me deu vida.Tudo, tudo, neste dia, esteve tão mais presente.
Foi o confronto que faltava com a minha realidade, agora que tenho tempo para parar de facto.E é bom que aconteça.
O que me ajudou também a sentir que a minha vida está mais do que destinada a ser entregue aos outros, mesmo que para isso eu tenha que me colocar em 2º plano, todos os planos pessoais...como casar, ter filhos, encontrar uma casa.(Coisas de gente normal), desculpem-me a expressão.
Pois se já perdi algumas dessas metas, conquistei outras que não têm preço.Mas me preenchem tanto, que me realizam.Uma delas a liberdade, de ser, estar, fazer o que o meu coração dita.Não há maior liberdade que esta.
A jornada é para continuar.Sim.
E tudo isto teve tempo de ser visto e revisto.Porque me detive em mim, no que me rodeia mais de perto e nas pequenas coisas que nunca me passam ao lado,mas que nem sempre olho de frente.
Como a minha vida.Olhei para ela hoje e soube bem.
O dia terminou em Sintra, pela noite, quando eu e dois grandes amigos de muitos e muitos anos, pensámos apanhar uma trovoada e fotografá-la, o que seria perfeito para terminar o dia que tive.Estar com eles e rir como nos velhos tempos, fez-me bem.Embora eu saiba que eles gostavam de me ter por cá mais tempo.A trovoada nunca rebentou e deu lugar a uma noite serena e quase de encantar, em que só o barulho da água da fonte, interrompia os cliks das máquinas a captar todo aquele cenário de sonho.
Deixo aqui algumas fotos desse registo.
Escusado será dizer, que acabei por adormecer como um bebé...depois de uma noite fantástica em que não é preciso mais que a presença e o silêncio.
Ps.Quando tiver computador novamente e Internet, hei-de publicar este mar de palavras guardadas também numa gaveta da Alma, para que respirem e aí vão elas...