sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Aquilo que toco.
 

(Fim do dia no cabo da roca, 2007)



Aquilo que observo, diáriamente, é uma realidade dura, sem dúvida, mas é aquela á qual não posso fugir.Por isso enfrento-a o melhor que sei e sinto.
Quando visito o meu pai, nos inumeros internamentos, vou tocando histórias que me marcam.Muitas delas, para além da minha própria,fazem-me crescer, chocam-me, fazem-me pensar e por fim, ajudam-me a Amar ainda mais.
Hoje, quando fui ver o meu pai, deparei-me com um rapaz novo, na cama ao lado.Tinha chegado hoje.
Como sempre, disse boa tarde, abracei o meu Pai, perguntei como se sentia hoje, dei-lhe o miminho que sempre levo, mas que nem sempre pode comer.
Depois de estar ali um bocado, reparei nas mãos daquele jovem, delicadas, frágeis e pálidas.Tinha umas 6 pessoas á sua volta, o que achei demasiado.Mas vi que ele estava tão feliz...o mesmo não senti de quem o acompanhava.Ele olhava para mim de vez em quando.Havia uma luz á sua volta que não sei explicar.A tarde passou, veio o jantar, as visitas foram como sempre embora e eu fiquei.Porque fico sempre mais um bocadinho e porque conheço os cantos á casa e já não incomodo, faço antes parte da mobília, médicos, enfermeiros e auxiliares, já se habituaram a ver-me por ali.
Após, o jantar, uma equipa veio e retirou o Jovem, (que soube então chamar-se R.), para um quarto sozinho.Fiquei com pena, pois estávamos a falar há um bocado e podia perceber nele uma boa energia, uma doçura no olhar, uma paz, uma calma, que não é normal em quem está doente num hospital.Normalmente, há preocupação, cansaço de estar ali parado...ou mesmo distância e tristeza no semblante.Mas ele não.Sorria enquanto falava, no seu rosto de traços finos e delicados, abatidos no entanto.
Parecia abarcar em si, os sonhos mais bonitos para o futuro.
Quando ele saiu, a mãe que ficou com ele, enquanto arrumava as coisas,partilhou comigo que ele se encontra em fase terminal de uma Leucemia, por isso vai para um quarto isolado, para poder estar em paz com as suas visitas, que não têm limite de numero.
Tem 25 anos e um olhar e sorriso de meter inveja a muita gente saudável.Fiquei estarrecida, na cadeira a olhar para o meu pai que respirou fundo e fechou os olhos.Eu sei o que ele quis dizer com aquele respirar.Pensou como eu, QUE INJUSTO.Mais um.Sem retorno.
Porquê?
E fez-se silêncio.
Fiquei a pensar, naquele rosto bonito e meigo.Não podia ficar ali.Fui ao corredor, e procurei o quarto de isolamento, vi-o de longe, sozinho a ler uma resvista.Tomei a liberdade de perguntar se podia entrar e ele sorriu quando me viu.Sentou-se melhor na cama, como que antecedendo um diálogo, que queria ter.E foi isso que aconteceu.Uma partilha muito bonita e macia.Compreendo em parte o que sente.E ele sentiu-se compreendido.Rimos, tivemos em silêncio, falámos de coisas banais e de coisas bem sérias como a vida e a morte.Ele é feliz.Foi ele que o disse.
Posso dizer que aqueles 30 minutos, passaram e eu não dei por isso.Foi das conversas mais belas, fortes e profundas que já tive.
É impossivel, para mim, não me ligar ás pessoas desta forma, mesmo que não as conheça de lado nenhum.É mais forte do que eu, querer ajudar, como posso, quem se despede desta vida que eu tanto Amo.E agora que tenho um pai nessa condição, dou ainda mais valor a este momento que não deixa de ser especial, (e eu sei porque digo isto), é o momento em que nos apuramos mais, segundo o R.
O R. agradeceu-me a coragem e pediu-me para voltar sempre que queira, porque o ajudava a ordenar ideias, amanhã, ou depois, ou enquanto ele lá estiver.
Sei, que um dia pode não estar.E que pena ser assim, pois seria uma bela amizade.Eu nunca me vou esquecer do R.
Mas amanhã, levo-lhe uma flor.




(...E outra para o meu Pai.)

4 comentários:

lina disse...

yelerQue lição de vida!Chorei,mais uma vez ao ler o seu post,como choro várias vezes quando fala do seu pai.Mas é um choro libertador e terno.
Tenho seguido o seu blog quase diáriamente mas só hoje é que comento.Mas estou sempre aqui...
Mil beijos.
Lina

LxSantos disse...

Querida Rita, sa tuas partilhas transportam-nos até ao teu coração, à tua alma. E que privilégio por "viver" os teus encontros, momentos, alegrias e angústias. E que sorte tem o R. em se ter cruzado contigo. Que bom que tiveste a coragem de ir à procura dele e terem partilhado um momento tão especial (guarda essa conversa na tua memória e coração). Tenho a certeza que vais ser LUZ e ESPERANÇA para ele. E sobretudo partilhar com ele o GRANDE AMOR que tens dentro de ti.
Obrigado mais uma vez pelas palavras bonitas e sinceras com que nos presenteias.
Um abraço apertado para ti, para o teu pai e para o R.
Luís (FH LRLM)

Carla Rocha disse...

Olá, Rita! Tenho acompanhado seu blog. Quando falas sobre teu pai, reporto-me ao meu, que a alguns anos partiu com C.A. É estranho não? Ficamos ali, totalmente impotentes diante da vida e da morte! E como tudo isso nos acrescenta e nos faz ver todos os dias sobre uma nova optica. Força pra você e seu pai. Carla

zelia disse...

Ritinha...é sempre um enorme prazer ler o teu blog... ja algum tempo que n comento...mas continuo a vir aqui...beber um bocadinho..dos teus sonhos, medos alegria e força de viver... e sem dúvida que o R me tocou particularmente...apeteceu-me dar-lhe um grande abraço..pedir-lhe desculpa por em alguns momentos desprezar a minha vida...qd há alguém que daria tudo para a ter...manda-lhe um bj meu...

outro enorme pra ti e para o teu pai...
um abraço quentinho minha rica menina...

bjs