terça-feira, 5 de junho de 2007

De entre aquilo que eu Guardo...
(Uma rosa em Veneza...guardada.)


As minhas coisas favoritas estão quase sempre guardadas há muito tempo e cheias de pó.


Gosto de procurar memórias dentro de caixinhas, abri-las e dar com as flores murchas que foram causa de tantas coisas, e é bom que estejam debaixo da camada de pó-esquecimento-parcial, que as torna outra vez surpreendentes.
Sempre gostei de flores murchas. Têm qualquer coisa que as remete para o domínio do maravilhoso, uma fragilidade que sabe ser persistente, linda. Hastes que quebram facilmente, cores desvanecidas, um aroma subtil, distante.



Nenhuma dor intolerável, mesmo que seja a flor de um rompimento.


Tenho muito cuidado com as minhas flores mortas, para não se estragarem, para continuarem a trazer, intactos, os momentos especiais a que estão associadas.


Momentos em que fui, e fui de um ser tão verdadeiro, que é bonito!



Oh, mas há também as flores frescas! Não estão metidas em caixas debaixo de uma camada de pó-esquecimento-parcial.


Estão soltas, e - claro! - vivas, não me pertencem, apenas as encontrei... ou elas a mim.


São exigentes, voluntariosas, afligem-me. Palpitantes, têm espinhos onde corre seiva viva e cravam-se-me fundo, fazem-me sangrar e o meu sangue junta-se à seiva, num líquido-verdade, que dói, dói, dói! Uma dor inquietante.


E dizem: «Encontrei-te no tempo sem tempo», ou então - «vem, eu estou aqui, quero-te».


Têm o aroma forte, inebriantes as cores.


Ai, como são persuasivas, tão perigosas.
Estão no mesmo plano temporal que eu, não é preciso que ocorra um improvável rasgão no tempo para me levar de volta ao passado, o seu apelo é - «agora! Agora!», e sim, eu quero, de um modo descrente, mas quero mergulhar nas pétalas frescas, com a beleza e os perigos.Inteira.






Apesar de todo o meu desejo de hoje abraçar as flores da minha vida, não esqueço as caixas de memórias desarrumadas e poeirentas, onde jazem as flores mortas que me fazem ainda sorrir suavemente.


Porque sou contemplativa e sei que é tão fácil perder-me no moto perpétuo de ser-hoje.


E o que eu sinto é: «Não tenho tempo para mim agora»!
A verdade é que o passado me fascina profundamente. E, se penso em mim, então estou apaixonada pela Rita do passado, tal como daqui a umas décadas vou estar apaixonada pela Rita que sou hoje, tão aflita com as rosas vivas.



Estas, depois, serão como as outras, irremediavelmente mortas, guardadas ao pó, desvanecidas... Mas - ai! - a diferença é que nunca se tornarão indolores.


Porque é em busca delas que tenho andado há tanto tempo. Será insuportável tê-las deixado morrer, e depois não poderei gostar, nem sequer um pouco, de uma Rita que não tenha caminhado hoje sobre as suas rosas, apertando-as, não de encontro ao peito, mas dentro dele.
Por isso vou misturar-me com elas, já. Agora.





Sim...

Sem comentários: