quarta-feira, 27 de junho de 2012

Ainda agora me vejo a crescer...





O crescimento tem destas coisas.Crescer implica um caminho nem sempre fácil, do qual nem sempre vislumbramos o horizonte que pretendemos.Cair então faz parte.Mas a confiança maior é saber que estamos no local certo, no tempo certo, a viver tudo aquilo para o qual, (ás vezes penso...) fomos predestinados.
Sim, essa missão pessoal...que cada um deve descobrir e procurar cumprir.Só assim uma vida será plena e realizada.
Estes meses por Moçambique, neste segundo ano, têm sido um desafio tão grande no que toca a crescimento.Falo de crescer todos os dias, com tanto que me entra pelos olhos dentro, com tanto que oiço, toco com as minhas mãos...crescer com tudo o que nos obriga a recomeçar de novo, num outro lugar, perto de uma outra realidade...de pessoas diferentes de nós.
Sinto-me agora mais do que nunca, mais perto do povo.Mais perto da poeira do caminho, que antes me passava pela janela do quarto, aquele quarto, naquela rua, naquela casa.Sim, ali, os vidros separavam-me e como, do que que é a realidade.Viver mais dentro do povo, viver mais os seus problemas, experienciar o que vivem desde sempre, cozinhar, comprar, cuidar, como eles...perceber que a vida aqui, é uma luta diária, tão dura e tão grande...mas que dignifica este povo em muito.Parte dessa luta, faz deles aos meus olhos, guerreiros.Sabedores de tradições, segredos, truques, que aplicam no dia á dia...de modo a facilitar toda a vida diária.Tenho aprendido, imagine-se a utilizar um fogão de carvão.A cozinhar nele.Tenho aprendido os diversos truques que permitem fazer um bolo, sem o queimar, colocando areia dentro da panela, e no final colocando a cinza por cima, para que coza por inteiro.Como se reduz por exemplo o lume quando se faz arroz, num fogão destes onde não existem botões que reduzam num ápice a intensidade do fogo.
Eu, Europeia, habituada a ter tudo num minuto,microondas, fogão eléctrico, forno, coisas pré-feitas.Agora vejo e tomo o sabor das coisas mais puras do sabor genuíno que possuem, desde sempre.E todos os dias aprendo algo novo, interessante e que me vai marcar para sempre.Rendo-me a esta sabedoria, que até as crianças desde muito cedo possuem.
As pessoas são humildes no que toca a ensinar-nos algo, que para elas é comum.E ficam contentes.Tudo depende da forma como se dizem as coisas, mais uma vez.
Podia ser Moçambicana, mas não sou, podia saber cozinhar uma data de pratos...uma data de truques, de segredos.Podia saber pilar.Podia saber como fazer xima.Não sei.Sei como amarrar uma capulana, na cintura e na cabeça, sei como dançar como uma Moçambicana, sei como usar as pequenas  expressões...que tornam este povo especial.Sei amar esta diferença e levá-la comigo para sempre, fazendo-a perdurar por todo o tempo que dure a minha vida.Sei compreender porque este povo reage assim, fala assim, trabalha assim.
Mas sei, os meus truques e segredos, aqueles que são Portugueses...e parte desse continente onde nasci.E com uma coisa daqui e outra dali vou fazendo, misturas e ás vezes magia...errando, descobrindo...surpreendendo-me a mim mesma no que me vejo a aprender a fazer.E gosto.Tenho aliás pena, de não ter vivido mais meses assim...mais perto do que é uma cultura.Mais longe do que são mordomias...que em nada me ajudam a crescer...apenas nos atrofiam nas nossas tarefas e como pessoas.
Sei olhar um pouco o passado e analisar o que vou vendo e penso tanto sobre o futuro.
Do que vou absorvendo.Do que vou sentindo.
Poderei eu algum dia esquecer o que vivi neste Niassa esquecido por muitos, visto e amado por outros, que como eu...o vão descobrindo, percebendo, recriando?Não.
Continuo então, a beber dos dias, das oportunidades de aprender, de me tornar mais culta numa sabedoria popular...que resulta numa mescla tão bonita de cores, e no fundo é ela que leva há gerações o mundo para a frente...e o faz ser assim, bonito de se ver e sentir.
=)

sábado, 23 de junho de 2012

Abraçando os dias...








Já disse e repeti vezes sem conta, que Amo estes Konguitos.
Amo, como se ama a vida...
Sinto-me tão parte das suas vidas.Os abraços não demoram a chegar, assim que coloco o pé dentro da escola.Este calor, permite que me mantenha firme perante qualquer dia menos bom.
Por eles, tudo faz sentido.Tudo vale a pena.
Acredito neste caminho que percorremos juntos...acredito no futuro destes meninos, como seres humanos que vão marcar a diferença, sabendo sonhar, e lutando pelos seus objectivos, com garra e confiança.E todos os dias lhes passo essa ideia.
Nada é impossível ou inalcansável.O mundo está nas suas mãos.Eles sabem isso e resta-me aproveitar cada dia na sua presença e recordá-los um dia, para o resto da vida, com um sorriso, tal como o sabor destes abraços...que me enchem a alma.E acreditar que estarão bem e a trilhar o seu caminho com dignidade e bravura.
Há amores assim.

Dia de festa, Parabéns tia Ana!















Foi dia de festa!
Com direito a muita música, a uma capulana nova, a um bolo de chocolate e laranja, só para a primeira classe!
A Tia Ana fez anos e nós celebrámos em grande a vida de uma mulher que dá o melhor todos os dias por estas crianças, ao meu lado.Somos uma equipa forte e que funciona tão bem.Desde o ano passado.Os dias são passados a rir.
A tia Ana é mulher, amiga, mãe,pai, pois perdeu o marido, criança também...é versátil e tem sempre um sorriso e um olhar de esperança sobre as coisas.Positiva!
É uma força.É talvez das pessoas que me conhecem melhor neste Moçambique, neste Niassa, nesta Lichinga.Ela que me atura horas, na sala...e me completa, numa cumplicidade ganha no trabalho.
Está de parabéns este exemplo de mulher guerreira...que me vai marcar o resto da vida!
O dia terminou com um gelado e muita conversa.Afinal um dia, não são dias...


sábado, 16 de junho de 2012

O frio chegou ao Niassa














Este ano Moçambique, tem sido uma aventura.
Daquelas que dão voltas e mais voltas, mas que um dia me vão fazer sentir imensamente feliz, por ter mais uma vez, vivido tudo, com entusiasmo e sentido uma enorme aprendizagem.Confirmo a força que me habita a cada dia.
Os meus meninos, estão agora a ler como gente grande.Um esforço desde Fevereiro...com muita paciência, vieram para as minhas mãos, não sabiam nada.É motivo de imensa satisfação, para mim, perceber que, com 5 anos, sabem mais do que muitos adultos, para além de todas as regras que assimilaram e já seguem naturalmente.Há laços, que se intensificaram, outros que se desvaneceram...faz parte da vida.
Os pais, têm agora uma mais próxima e confiante relação comigo, o que me ajuda a entender melhor cada criança.Ficaram também aliviados por ficar em Lichinga e não ter ido embora.E vêm agora a falta de espírito de equipa...este ano.Mas sabem que desde o ano passado, o meu trabalho e relação com toda a escola é a mesma e cada vez é mais forte.E nada vai mudar isso.
Sentir esta confiança é tão importante.
O frio chegou finalmente ao Niassa.As madrugadas são assoladas por ventanias e as manhãs, bem como as noites, são imensamente frias.
As roupas de Verão, que outrora me caiam leves...agora ficam arrumadas num canto...á espera de melhores dias.E as poucas roupas quentes e de meia estação que trouxe comigo, são usadas quase diariamente, repetidamente.
Uma vez que dei metade das minhas coisas quando pensei, erradamente, ir embora para Portugal...tenho agora muito menos coisas e é bem melhor assim, pois por aqui uma vida simples e desprendida de alguns bens materiais não nos faz mal nenhum.
Na escolinha, as sandálias dão lugar ás botas, os vestidos dão lugar a casacos felpudos e os lenços, dão lugar a gorros de lã.Há quem use luvas e cachecol.Engana-se quem pensa que em África é sempre quente.Aqui existem somente 2 estações, Inverno e Verão.Dividem-se por 6 meses cada uma.O Verão, sim é muito quente, mas o Inverno esse também se faz sentir,não tão acentuadamente como na Europa.
Esta província é aliás a mais fria de todas.A que está mais a norte.E a mais esquecida também, dizem.Esquecida pelos governantes e onde um certo desenvolvimento tarda em chegar, confesso.
É um progresso lento e gradual ao qual tenho assistido.Por exemplo, este ano circulam na cidade 2 autocarros, que fazem assim a rede de transportes públicos da cidade de Lichinga.
Dois autocarros.É pouco claro, mas é alguma coisa, inspira vontade de evolução.Um nova rede de telemóveis, faz assim com que sejam 3 as operadoras presentes na cidade.Aos poucos, aqui e ali, nota-se o brotar de iniciativas.Há ainda um longo caminho a percorrer.
E por este motivo, ás vezes penso, que era aqui que eu tinha que vir parar.Nunca me imaginei em locais perfeitos, onde tudo está feito e conquistado á partida.Sempre vivi em cidades imperfeitas.Onde há algo por mudar e melhorar.Recordo a cidade de Bucareste, imperfeita, mas única e mágica, onde as pessoas eram de um calor humano que me acolheu 6 meses.Recordo a Turquia, a cidade de Ankara, movimentada, frenética, puro betão armado, mas onde vivi momentos extraordinários.No fundo, são as pessoas que fazem os locais e tudo o que é menos bom, passa a ser de certa forma invisivél aos nossos olhos.Porque tudo o que precisamos está dentro de cada pessoa,com quem nos cruzamos.É preciso estar atento.
E é assim que me sinto bem, é assim que encontro mais sentido em tudo.É assim que sou feliz.Porque também eu, imperfeita como ser humano, luto diariamente por ser melhor e tornar melhor o local onde me encontro.E para isso não é preciso muito...quantas vezes basta um simples sorriso, uma brincadeira, um alento ou apenas estar ali.E é um facto, que ás vezes também não consigo.
É isso que vou fazendo...levando a vida para a frente.Mesmo com este frio, o calor que me queima por dentro, não me deixa abrandar o ritmo, a alegria, a força de estar e viver no meio de um povo que amo.
Dia  após dia.Assim mesmo, num looping de emoções.


 Nem poderia eu...viver de outra maneira.

domingo, 3 de junho de 2012

O dia da criança.O dia de todos nós.























Aquele que disser que já não é criança, mente.
Todos nós em algum momento, deixamos transparecer essa criança eterna que fomos e seremos até ao fim dos nossos dias.
Confesso que tenho encontrado pessoas que não estimulam essa criança interior, não a alimentam, me parecem mortas á partida, mas basta encontrar o truque que a vai despertar e deixá-la sair.Quero acreditar.
É ainda criança, quem tem a capacidade de sonhar, de ver as coisas simples da vida, de colocar beleza nos próprios olhos e nos olhos dos outros.Aquele que sabe fazer de pequenos nadas, o tudo de alguém.Quem ainda sabe brincar com a vida e sorrir por quase nada.Quem sabe ouvir uma criança e levá-la a sério, porque os sonhos de uma criança são os mais sérios do mundo.Ali começa tudo.
No meio das crianças, sempre foi e será sempre o meu lugar, mais do que nenhum outro.Sou como peixe na água.É essa a minha praia.
Aqui me vou vendo crescer e a aprender.No meio deles, com as suas perguntas ás vezes dificéis, com as suas birras e reacções imprevistas,com as suas magias...e dilemas, mas que me fazem rir e sonhar.
São os dias e os meses que correm, neste ano de 2012, e são eles, os meus Konguitos que me vão marcando, mais do que ninguém.
É por crianças,com quem há muitos anos trabalho, que deixei tudo para trás, aprendi a viver com muito pouco,a descobrir o mundo, mas mais do que tudo, a saber fazê-los felizes.É esse o meu objectivo.E ao fazer alguém feliz...podemos adormecer a cada dia em paz.
Os adultos, são muitas vezes difíceis de agradar, mas as crianças não.Qualquer brilho as prende.E de brilhos está cheio o mundo.Basta olhar á minha volta, que encontro o motivo para as fazer voar comigo.Mantenho por isso bem aceso esse lado, da fantasia que se cultiva na infância e recuso-me a perdê-lo.Isso faz o meu coração bater.Isso deixa-me mais perto do mundo...e mostra-me o que realmente me tornei como pessoa, como mulher, como amiga e sonhadora.Completa-me.Preenche-me.Porque a eles os completo e os preencho.
O dia da criança, por aqui, foi preparado com muita ansiedade e entusiasmo.
O dia antes, não parei um segundo.Havia aquele sentimento no ar, por toda a cidade, em que todos procuravam que as suas crianças, tivessem o mínimo nesse dia.O mínimo que as fizesse feliz.Fossem uns sapatos, umas trancinhas novas, umas missangas coloridas, um doce.Também houve quem não tivesse nada por parte da família.Mas aí, entramos nós, a escolinha.E todos tiveram direito ao seu saco, com 1 brinquedo, doces, um lápis, e mimos de muitas cores, que a eles os encanta.Fazê-los conscientes que são crianças e têm direito a brincar, a estudar, a serem respeitados e não explorados...ou maltratados.E que existe um dia, em que eles são o centro e podem festejar e exprimir essa alegria livremente.
Aquelas horas, foram tão felizes.Todos vestidos de igual.Todos ansiosos para mostrar aos pais o que preparamos durante  meses.Um música, um poema, um teatro.Eles sorriam.Abraçavam-me.Foi um bom momento de contacto com as suas famílias.Há pais fantásticos e outros que nunca aparecem.Há de tudo.
Estes dias, vão marcá-los para o resto da vida.
Depois das actuações,do almoço e da distribuição das prendas...as crianças começaram a deixar a escola e a ir para casa.A festa não terminou por ali.
A maravilhosa equipa desta escola, continuou a sua festa.Como crianças que ainda somos...e pelas que ajudamos a crescer diariamente, mergulhamos no centro da cidade, a cantar e a dançar,trajadas a rigor, cheias de cor, até o sol se esconder.A verdadeira alma Moçambicana.
Foi um momento muito bom de equipa, que nos ajuda a trabalhar mais unidas.Houve música Moçambicana, houve dança, houve abraços, uma caminhada pelo campo e um sentimento de dever cumprido.Pelo dia, pela festa,por nós e por eles.A cidade estava ao rubro com crianças por todo o lado.Comecei o dia a sorrir e terminei o dia a sorrir.
A caminhada continua.Faltam ainda 6 meses de aulas, plenos de luta, trabalho, festa e evolução, acredito.Como poderia eu, não estar aqui?
E no fim fica, só pode ficar a satisfação enorme e inigualável, de termos sido um marco na vida destes meninos.Para sempre.Como um dia alguém foi na minha vida...e continua a ser, um marco, uma referência, um modelo, uma inspiração.
Recordo como não podia deixar de ser, o meu Pai, que mais do ninguém tinha essa criança interior bem viva.E é por isso que hoje, sou esta menina/mulher...que sonha, vive e flutua nos sonhos que criou em criança.

=)